Encontro discutiu mecanismos para que o pagamento por serviços ambientais garanta o protagonismo daqueles que realmente protegem a floresta.
Nos dias 25 e 26 de setembro, o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), o Instituto de Estudos Amazônicos (IEA), o Fundo de Defesa Ambiental (EDF) e o Instituto Clima e Sociedade (iCS) reuniram-se com extrativistas, associações concessionárias, instituições parceiras, especialistas e consultores para discutir projetos de REDD+. O objetivo foi fortalecer o debate a fim de recomendar melhores formas das comunidades realizarem contratos mantendo o seu protagonismo. O evento ocorreu no auditório do Hotel Andrade Hangar, em Belém do Pará.
Com a participação de cerca de cinquenta extrativistas de comunidades diversas, o evento também contou com um anúncio realizado pela Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável, Edel Moraes, que além de destacar o avanço da pauta socioambiental na atual conjuntura política celebrou a volta do programa Bolsa Verde.
O Bolsa Verde é um programa do Governo Federal que visa ajudar famílias com renda de até meio salário mínimo, ou seja, até R$ 660 por mês, incentivando-as a manter práticas de proteção à natureza. Antes, o valor concedia R$ 300 trimestralmente para famílias que residiam em áreas prioritárias de conservação ambiental. O valor foi atualizado para R$ 600. “Vale lembrar que o valor só é concedido para áreas onde o desmatamento não ultrapassou 20%. Essa é a premissa do programa, um benefício destinado a áreas de conservação”.
Para acessar o Bolsa Verde, é necessário estar cadastrado no “Cadastro Único para Programas Sociais” (CadÚnico), no Bolsa Família, e que a área esteja em conformidade com as leis ambientais e possua instrumento de gestão. Isso inclui projetos de assentamentos do INCRA, unidades de conservação do ICMBio e territórios ribeirinhos geridos pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU).
Nesse sentido, se encaixam as Reservas Extrativistas (RESEX); Florestas Nacionais (FLONAS); Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS); Projeto de Assentamento Extrativista (PAE), Projeto de Assentamento Agroflorestal (PAF), Projeto de Assentamento de Desenvolvimento Sustentável (PDS) e Projetos de Assentamento (PA); e territórios de ribeirinhos com Termo de Autorização de Uso.
Contratos de crédito de carbono
Depois do anúncio feito pela Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável, o evento focou no seu real propósito: os projetos de REDD+, com foco no mercado de carbono. Para isso, Pricila Aquino, assessora jurídica do Instituto de Estudos Amazônicos (IEA), dedicou-se a esclarecer os extrativistas quanto aos detalhes dos contratos firmados. Segundo ela, o IEA desenvolve esse trabalho de formação. “É muito importante mostrar para a comunidade como funcionam esses projetos, quais são os passos, as etapas da formação e principalmente no campo do direito analisar quais são as principais cláusulas e pontos que eles precisam ter mais atenção na hora de contratar”, esclarece.
Atualmente, os projetos de créditos de carbono são vistos como uma oportunidade das organizações, entre elas, as Reservas Extrativistas de assumir o protagonismo no debate da crise climática. Em 2022, a temperatura média global foi estimada em cerca de 1,15º [1,02º a 1,28°] acima da média pré-industrial (1850-1900), segundo estimativa do Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
Aquino lembra que diante da emergência climática, é urgente que as comunidades se apropriem desses temas. “Com as informações necessárias, nas próximas contratações eles vão ter outro olhar. Essa iniciativa do CNS de promover essa formação é para que as comunidades se apropriem não só do tema projeto de carbono, mas também das mudanças climáticas de forma a entenderem o que é o carbono, como funciona a redução e as emissões. Com base nesse conhecimento, eles podem receber investimentos de forma mais consciente entendendo que a floresta só existe porque eles estão ali e que a Resex é uma barreira contra o desmatamento e eles precisam ser remunerados por isso”, defende.
Uma das críticas de Pricila Aquino foi com relação às cláusulas de confidencialidade, comumente encontradas em projetos de crédito de carbono já existentes. “A confidencialidade, por exemplo, vai de encontro ao que preconiza a Consulta Prévia Livre e Informada e esse é só um dos pontos a serem questionados”.
Para o presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Júlio Barbosa de Aquino, companheiro de luta de Chico Mendes, o mercado de carbono pode ser visto como a maior fonte de renda imaginável para as populações que moram e vivem da floresta, mas só poderá ser o que se propõe a ser em sua essência quando as comunidades estiverem empoderadas. “Quando elas estiverem olhando para a floresta e vendo ela protegida, em segurança, mas também gerando renda para essas populações e melhorando a sua qualidade de vida, seja do ponto de vista da educação, da saúde, da moradia, do saneamento, da comunicação, fortalecendo e protegendo a cultura dos povos, somente assim teremos alcançado o nosso propósito”, defende.
Atanagildo de Deus Matos, diretor do estado do Pará do Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS/PA), reforçou ainda que o objetivo é fortalecer o debate quanto à necessidade de contratos transparentes e pensados de forma coletiva. “A decisão acerca de como o projeto será executado e também dos seus benefícios precisam ser pensados em assembleias e audiências nas quais a comunidade toda chegue a um acordo em comum”.
Daltro Paiva, analista socioambiental do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) lembra que dos 26 projetos de mercado de carbono existentes hoje na Amazônia Legal, a maioria estão concentrados no estado do Pará, assim, ele considera que o debate promovido pelo CNS e organizações parceiras é de extrema importância e está diretamente alinhado à essência do IEB. “Estamos participando das discussões desde Oeiras do Pará, no Arquipélago do Marajó, lá o debate foi na Resex Arioca Pruanã. Já hoje o debate é mais plural, com comunidades geridas, por exemplo, pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU)”, explica.
Paiva afirma que na perspectiva do Observatório do Manejo Florestal e Comunitário e do próprio IEB há um alinhamento sobre o protagonismo das comunidades. “Os projetos de carbono no olhar dessas lideranças e do próprio CNS pode ser visto como uma ferramenta de afirmação do direito territorial. Se considerarmos a lógica das empresas, a dinâmica é da expropriação, enquanto do CNS é de pertencimento territorial. A forma como esse debate está sendo construído é muito interessante e necessária, porque o projeto de carbono é uma das atividades econômicas dentro do território e isso significa que a comunidade vai continuar pescando, extraindo, produzindo e preservando”.
Ao fim do evento foi realizada a leitura e discussão do documento “Diretrizes para Programas/Projetos de REDD+ em Reservas Extrativistas”, elaborado pelo CNS em oficina nacional realizada em janeiro deste ano, sobre as mudanças climáticas, o papel das florestas e as questões envolvendo financiamento de carbono para povos da floresta.
O documento elenca um conjunto de 12 recomendações para o desenvolvimento de programas/projetos de REDD+ em Resex, os quais ressaltam o papel de protagonismo e autonomia coletiva das populações extrativistas na elaboração e no desenvolvimento dos programas/projetos de carbono, em vista de resguardar seus direitos, diminuir os potenciais impactos negativos e ampliar os impactos positivos para os modos de vida destas populações.