Leia o conteúdo da carta divulgado hoje (08) no site da organização criada em 2004 e que reúne profissionais e estudantes de diferentes áreas do conhecimento.
Nós, que fazemos a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA- Agroecologia), vimos nos posicionar perante a sociedade brasileira, sobretudo aos associados e às associadas da ABA, não apenas sobre a emergência em saúde pública relacionada à disseminação do Covid-19 (novo coronavírus), mas também, em defesa de uma ciência crítica e cidadã e de um novo pensamento de sociedade. Mais do que nunca, é tempo de fortalecer estratégias de produção de conhecimentos e de intervenção no campo da agroecologia, reconectando saúde, ambiente, alimentação e trabalho, buscando reverter os desequilíbrios ecológicos e sociais existentes em uma sociedade profundamente interdependente e, ao mesmo tempo, extremamente desigual. Superar a pandemia que atualmente assola o mundo nos exige, nesse momento, uma postura de responsabilidade coletiva, o que inclui, no cenário atual, o suporte às medidas de isolamento social.
Nesse sentido, a ABA vem a público repudiar os sucessivos cortes nos recursos para a saúde, a educação e as políticas de desenvolvimento científico e tecnológico que, de forma direta (e indireta) interferem tanto na qualidade dos serviços prestados à população, como na capacidade da sociedade brasileira de reagir nesse momento de crise.
A pandemia do Covid-19 se instaura em meio a uma crise climática sem pre- cedentes, associada a um movimento intensivo de destruição da biodiversidade e de desestabilização dos processos ecológicos que sustentam a vida no planeta. O desmatamento, a contaminação dos sistemas vivos por agrotóxicos, transgênicos e resíduos oriundos da mineração, a fragilização dos sistemas produtivos de uso múltiplo, manejados por camponeses, extrativistas e povos e comunidades tradicionais, assim como a desterritorialização de populações, urbanas e rurais, são alguns dos efeitos gerados pelo atual modelo de desenvolvimento. As formas hegemônicas de produção e consumo de alimentos e fibras, com base nos monocultivos e na criação de animais em escala industrial estão, por conseguinte, em xeque.
Encadeamentos muito complexos vinculam a destruição dos ecossistemas naturais, a expansão de cultivos geneticamente homogêneos, a estruturação de longas cadeias de produção e consumo e o aparecimento de doenças em cultivos agrícolas e, especialmente, nos animais, incluindo os seres humanos. Doenças como a Gripe Aviária, Influenza e Doença da Vaca Louca, por exemplo, estão estreitamente ligadas à criação confinada de animais que, como sugerem Altieri e Nicholls, criam um ambiente propício para que determinados vírus sofram mutações e se propaguem (ALTIERI e NICHOLLS, 2020). Diversos estudos têm investigado, também, a relação existente entre a emergência de doenças infecciosas e a perda da biodiversidade (FAUST et al., 2018). A disseminação do vírus Ebola, na África Central e Ocidental, tem sido associada, por exemplo, à destruição da cobertura florestal nativa (RULLI et al, 2017). Esses esforços de pesquisa nos convi- dam, portanto, a continuar investigando as conexões existentes entre a saúde humana, o ambiente e as for- mas hegemônicas de organização do atual sistema agroalimentar.
É ainda mais preocupante o fato do Covid-19 chegar ao Brasil no momento em que temos em curso no país um projeto político que levanta como bandeiras a redução dos investimentos públicos, a discriminação dos mais pobres e a desconstrução de todo um conjunto de instituições governamentais e de espaços de participação e controle social engajados na garantia do bem-estar da população. Inúmeros exemplos concretos desta política obscurantista podem ser elencados, incluindo: os recorrentes cortes (2018, 2019 e 2020) no orçamento das universidades públicas, institutos federais e de uma série de instituições de pesquisa, incluindo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Embrapa; a redução das bolsas de pesquisa (nos níveis de graduação e pós-graduação); o desmonte da legislação ambiental; a flexibilização dos marcos jurídicos relacionados aos agrotóxicos; o desmonte das Políticas de Reforma Agrária e Extensão rural; as tentativas de desmonte do Sis- tema Único de Saúde (SUS); a desqualificação, pelo próprio governo, de nossos sistemas públicos de informação – como vimos acontecer em relação às taxas de desmatamento aferidas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e aos índices de desemprego medidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Especificamente no campo da Agroecologia, dispomos hoje de um importante arcabouço institucional – de pesquisa, ensino e extensão – que abarca os cursos nos diferentes níveis e modalidades de ensino (do ensino médio integrado à Pós-graduação), os Grupos de Pesquisa e, especialmente, os Núcleos de Estudos em Agroecologia (NEAs), presentes em todo o território nacional. Os NEAs, por sua vez, vêm sofrendo com cortes orçamentários e as interrupções ocorridas na publicação de novos editais, observando-se uma significativa redução em sua capacidade de atuação no plano local.
Para acessar a carta completa acesse aba-agroecologia.org.br