Floresta para Sempre: seminário avalia desafios e futuro da exploração na Resex Verde para Sempre

Programação marcou o encerramento do projeto Cadeias de Valor Sustentáveis, financiado pela Usaid e executado pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e parceiros

Quatro crianças entraram no espaço carregando objetos que representavam terra, água, fogo e ar. Passaram no meio do salão e depositaram os itens no altar, montado na mesa que acompanharia dois dias de discussão em torno da Verde para Sempre, a maior Reserva Extrativista (Resex) do Brasil.

Nos dias 19 e 20 de janeiro de 2023, os atos de resistência das mulheres e homens extrativistas estavam contidos nos cantos que entremeavam a programação, na dança e na partilha das memórias e das estratégias desenhadas ao longo dos últimos anos, marcados por desmontes de políticas públicas.

Sob o título de Floresta para Sempre, o seminário, realizado em Porto de Moz, marcou os 18 anos da Resex e os 10 anos de atividade legal de extração de madeira e outros produtos da floresta. O futuro, contido nos símbolos, ganhou o reforço das conversas em torno de organização e mobilização social; arranjos produtivos sustentáveis; e articulação.

Moderada pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), a primeira mesa cumpriu o papel de rememorar o movimento e a luta que levaram à criação da Verde para Sempre, num decreto publicado em novembro de 2004. Lado a lado, João Bernardes, da Associação da Casa Familiar Rural (CFR) de Porto de Moz; João Batista Uchoa, da Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP); e Edilene Batista, do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) de Porto de Moz conduziram os presentes numa viagem pelos anos, começando pela década de 80. “Importante mostrar pra vocês que muitas coisas foram difíceis, muitas ameaças foram feitas, porque não queriam que o povo se organizasse. Muitas pessoas foram mortas e presas”, disse João Bernardes, enquanto falava sobre a importância da Igreja e dos sindicatos para o início da mobilização social.

A nossa maior conquista é a liberdade. Liberdade de podermos estar aqui dialogando sobre a geração de renda e, ao mesmo tempo, a conservação. A Reserva não só protegeu as florestas e os rios, como protegeu também a vida das pessoas”.

Edilene Batista, hoje coordenadora geral do Comitê de Desenvolvimento Sustentável (CDS) de Porto de Moz.

Edilene Duarte, coordenadora Geral do CDS de Porto de Moz

Não podemos aceitar ninguém falar que é preciso destituir a Resex Verde para Sempre para vocês terem liberdade. Estamos vendo hoje que essa Resex foi o que trouxe a liberdade de vocês. Dizer aos mais novos, pode ser que ainda não tenham tido a oportunidade de ouvir o que estão ouvindo hoje, essa luta existiu, existe e não vai morrer”, complementou Edilene.

Da plateia, homens e mulheres se levantavam para somar às memórias trazidas pela mesa. Como a Luiza Froz, que disse que “era um Deus nos acuda, antes da Resex, com tanto processo que a gente [o sindicato] tinha que dar entrada porque tinha sempre alguém ameaçando. É um lembrete para os que não têm esse conhecimento, para quem ainda assim, quando vai lista lá, assina. É muito difícil uma sessão na Câmara [municipal] que não fale da miséria que o povo da Resex passa. Então isso [o seminário] é pra gente desmentir e não se acovardar”, cravou Luiza.

Com o microfone em mãos, Erisvaldo Barbosa chamou a atenção para outras disputas. “Importante ressaltar que a luta da criação foi mais intensa, mais corpo a corpo. Mas agora a luta é o modelo de plano de manejo que precisa ser consolidado na Resex. Tem outras forças que estão cooptando as lideranças e as comunidades, para querer consolidar outro modelo. O que nós precisamos encampar é a questão da regularização fundiária”, disse Erisvaldo.

Depois da viagem ao passado, homens e mulheres foram convidados a falar de futuro, pensando na diversificação de renda por meio da exploração legal de produtos não madeireiros, como óleos, peixes, e outros. A segunda mesa do dia 19 contou com a presença de Ana Carolina Vieira, diretora executiva do Instituto Beraca; Erisvaldo Barbosa, da Associação dos Pescadores Artesanais de Porto de Moz (Aspar); Edinaldo Batista, coordenador de produtos não madeireiros da Cooperativa Mista da FlonaTapajós (Coomflona); Simael Andrade, da Cooperativa Mista Agroextrativista Nossa Senhora Perpétuo Socorro Rio Arimum (Coomnspra); e Maria Creusa, da Cooperativa Mista Floresta Sempre Viva Três Rios (Coomar).

Com o projeto Copaíba Sustentável na Amazônia, o Instituto Beraca trouxe o relato da safra de 2021/2022 no território, que chegou a, pelo menos, 1.500 toneladas de copaíba. “A gente considerou 3 litros de óleo por árvore, tem árvore que tem 20 litros, tem árvore que não tem nenhum, então fizemos uma média. A elaboração de mapas de exploração das áreas potenciais para manejo de copaíba, pode sim ser feita durante a safra da madeira”, compartilhou com os demais.

A Aspar tem encontrado desafios, mas acredita que a atividade pesqueira e a piscicultura podem e devem ser exploradas. “Mesmo escrito que gente de fora não pode pescar na Resex, ainda há problemas, o pescado daqui está abastecendo outros locais. O lago do Urubu, por exemplo, está sendo explorado os 12 meses do ano, o que não pode, por conta do defeso. A gente não consegue ter controle e a fiscalização não dá conta. A questão da política pesqueira foi deixada de lado, mas a gente entende e acredita que isso pode ser revertido, mesmo com toda a complexidade do ordenamento pesqueiro, a gente acredita que, com a união das comunidades, ainda é possível tentar criar caminhos junto aos novos governos para que nós consigamos”, Erisvaldo, da Aspar.

De Belterra, a Coomflona trouxe a sua experiência na Floresta Nacional (Flona) do Tapajós. Assim como na Resex Verde para Sempre, o foco tem sido a exploração madeireira, mas já há uma articulação pra fortalecer a exploração de outros produtos. “O ICMBio exige que tenha outras atividades além da exploração legal da madeira, então na Coomflona nós já trabalhamos andiroba, copaíba, castanha do pará, polpa de fruta, artesanato, outras. Com a pandemia esse trabalho deu uma queda, estamos tentando organizar de novo”, compartilhou Edinaldo Batista.

Segundo dia

Depois da visita ao passado e do convite às cadeias de produtos não madeireiros, as associações e cooperativas foram levadas para uma programação política. Na primeira mesa do dia, IEB, Conexsus, InterElos e Centro de Empreendedorismo da Amazônia falaram sobre iniciativas de articulação e fortalecimento institucional que vêm sendo implementadas no território.

Do IEB, Alison Castilho deu destaque para o trabalho do instituto no campo do fortalecimento da gestão. “Preparar as organizações para lidar com a gestão dessas cadeias não é trivial. As lideranças que estão à frente desse processo se capacitaram para gestar o desenvolvimento dessa agenda. Essas lideranças vão precisar saber lidar com a equipe técnica que vai estar à frente do trabalho no dia a dia, como o engenheiro [se referindo à cadeia da madeira], figura extremamente necessária. Se não o papel se inverte e o engenheiro passa a ser o gestor do plano, e isso não pode acontecer”, pontuou.

Alison Castilho (IEB), durante mesa que dialogou sobre o fortalecimento da articulação local

Aqui em Porto de Moz, a gente aposta muito na nossa parceria com o CDS para assessoria e desenvolvimento das organizações locais. Tem também o Grupo de Gestão Florestal, que integra a estrutura do CDS. Outra estratégia que a gente acredita muito é a atuação em rede, hoje temos aqui algumas das organizações que a gente historicamente desenvolve atividades e agendas, como a Embrapa e o IFT”, disse Castilho.

Na figura do Carlos Ramos, a Conexsus trouxe o desafio do entendimento bancário para assuntos relacionados ao que vem da floresta, relatando como foi o processo da parceria entre a instituição e o Banco da Amazônia que resultou em 270 Pronafs para Portel, no Marajó. Interlos, representado por Mariana Chaubet, apresentou os diagnósticos e planos de negócios criados para os produtos não madeireiros, enquanto a coordenadora de projetos do Centro de Empreendedorismo da Amazônia, Manuele Lima, apresentou o Floresta 360, programa de estímulo ao empreendedorismo endereçado aos jovens.

A segunda e última mesa do dia 20 de janeiro foi o ponto alto do seminário, não porque as demais não tenham sido relevantes, mas porque juntou as discussões e organizou as pautas para o futuro. Foram reunidos representantes de diferentes setores da Resex e de órgãos governamentais, com ausências relevantes, segundo registros expressos dos participantes.

A mesa foi composta por Vedemilson Ribeiro, representante do setor de Acaraí; Elenilton Duarte, do Jaurucu; Acrísio Lacerda, do Guajará; Simael Andrade, do Arimum/Coomspra; Maria Creusa Ribeiro, da Coomar; Edilene Duarte, do CDS; Milton Kanashiro, representando a Embrapa e o OMFCF; Cleidimar “Chicuta” Barbosa, vereadora do PT em Porto de Moz; Flávia Ranara, do ICMBio; e o deputado federal pelo PT, Airton Faleiro. Se fizeram ausentes, segundo o CDS, os governos municipal e estadual.

Mesa “Construindo Pontes para a Resex que queremos no futuro”

Os comunitários foram convidados a expressar suas demandas. Incentivo para plantação, fomento para quem está iniciando, incidência de políticas públicas no território, acesso à saúde e à educação, mecanização, assistência técnica, regularização fundiária, e consolidação de uma Casa Familiar Rural (CAR) foram algumas das pautas apresentadas.

O manejo florestal tem um alto custo, o gargalo maior é na parte da mecanização. A maior receita é para a empresa terceirizada, que faz o arraste e transporte da tora, isso leva quase metade do recurso. Isso deveria ficar dentro das comunidades, se tivéssemos apoio para adquirir os materiais

Simael Batista, presidente da Coomnspra.

Nesse primeiro novo ano de governo já queremos ter a carta real de concessão de uso dessa unidade de conservação. Não podemos esperar isso para o último dia e nem esperar que o governo venha trazer para nós. Estamos para aqui cobrar e contribuir”, anunciou Maria Creusa, da Coomar, sob uma salva de palmas e gritos.

O governo tem que vir pra cá pra poder compreender a nossa realidade, a conjuntura local. Precisamos que o governo federal crie uma política pública de apoio ao manejo florestal comunitário em todas as etapas – não só quando a Autex já está na mão. A gente até ajuda a pagar, mas que ele coloque dinheiro e aposte na nossa forma de fazer o uso correto da floresta. Que aposte em todas essas pessoas para quem deu o um milhão de hectares para fazer a gestão”, continuou Maria Creusa.

Maria Creusa apresenta pautas durante o seminário Floresta para Sempre.

Após essas e outras manifestações, começou a fala dos órgãos governamentais e dos políticos que integravam a mesa. Entre outros temas, Kanashiro, da Embrapa, trouxe um dado que aponta o potencial da Resex Verde para Sempre. “Saiu a lista dos maiores produtores de madeira, o Brasil está em sétimo lugar e é o país único tropical. Nos demais países, as madeiras crescem lentamente – ciclo de 100 anos – o nosso ciclo é relativamente curto, de 30 anos”, pontuou Kanashiro.

A sociedade como um todo não consegue separar o que é um manejo florestal devidamente legal das madeiras do desmatamento. Isso faz parte de um processo de comunicação e as agências tem que esclarecer essa questão”, pontuou o pesquisador.

Se dirigindo ao deputado federal Airton Faleiro, a vereadora Chicuta pediu atenção à questão das multas aplicadas pelo ICMBio, que supostamente estaria igualando as famílias a grandes desmatadores; enquanto Flávia Ranara, servidora do ICMBio e gestora da Resex Verde para Sempre, destacou a necessidade de mais recursos para o órgão poder trabalhar. “Estamos num cenário em que os investidores vão retornar e o ICMBio precisa conseguir acompanhar”, enfatizou Ranara.

A servidora compartilhou ainda uma história de quando foi nomeada. “Chegaram para mim e falaram que eu estava indo à ‘Problemas para Sempre’. Agora, se eu encontrasse novamente a pessoa eu diria que eu cheguei na ‘Soluções para sempre’. Apesar de toda a dificuldade e dos retrocessos que a gente teve nos últimos anos, vocês resistiram. Nesses momentos a gente vê a importância da organização social e dos instrumentos de gestão. Vai ser retomada uma agenda, respeitando os ritos e a gente afirma o compromisso de estar ao lado das comunidades tradicionais”, finalizou Ranara sob palmas e gritos entusiasmados.

Último a falar, Airton Faleiro fez alertas e promessas. “Quando a ministra do Meio Ambiente, à época Marina Silva, veio a Porto de Moz para consolidar a criação da Resex, em 2005, eu estava junto, e em resposta a criação da maior reserva extrativista do Brasil, no mesmo dia, a Irmã Dorothy foi assassinada”, começou. “Quando começou a transição de governo a Amazônia estava ficando de fora, pessoas de fora queriam falar por nós. Fomos disputar espaço em cada grupo de trabalho. Conseguimos colocar muita gente e muitas propostas nesses grupos. Não é pouca coisa conseguir criar os espaços que nós criamos”, continuou o deputado.

Depois de falar da importância dos símbolos e dos novos ministérios, veio o primeiro conselho. “Eu conheço tudo aqui dentro e se a gente quiser fazer as coisas aqui, vamos fazer bem feito. O primeiro critério pra saber se a empresa presta é se ela quer corromper o comunitário. Se ela chegar e quiser corromper a turma pra baixar o preço da madeira, estamos falando de que economia? Não adianta cuidar só do meio ambiente, tem que cuidar do povo também. Nós estamos falando de sociobioeconomia. Não dá pra passar a mão na cabeça de quem quer fazer a coisa errada. Eu serei o primeiro a dizer não”, falou o deputado.

Outro conselho”, disse sob os olhos atentos da plateia. “Vai ganhar muita força o debate de produção de alimentos saudáveis. Na hora que essas 32 milhões de pessoas tiverem capacidade de comprar alimentos, é preciso ter como abastecer. No planejamento temos que pensar essa política de produção de alimentos saudáveis”, afirmou Faleiro.

Deputado federal Airton Faleiro (PT) durante encerramento do seminário Floresta para Sempre, em Porto de Moz (PA)

Em seguida, a promessa. “Uma das condições que nós colocamos ao Helder é que tivesse um posicionamento firme sobre a Amazônia, e que criasse a secretaria da agricultura familiar no Pará, já passou da hora de indicar esse nome e eu vou cobrá-lo. Nós temos que ter na Verde um programa que envolva o conjunto das necessidades da Resex, em todas as áreas, para que a gente monte uma agenda de pauta em Belém e em Brasília”, concluiu Faleiro.

Alegria também é resistência

No início e na pausa das programações, o microfone ecoava vozes de mulheres que entoavam músicas sobre a cultura local, além de melodias e letras que honravam a memória dos que vieram antes, como o Chico Mendes.

Grupo Folclórico Rio Xingu durante comemoração dos 18 anos da criação da Reserva Extrativista (Resex) Verde para Sempre

Ao final do primeiro dia, uma noite cultural marcou os 18 anos de criação da Resex Verde para Sempre, com jantar, bolo e apresentação do Grupo Folclórico Rio Xingu. O espetáculo foi feito especialmente pra data, com músicas e coreografias autorais. Fantasias ricamente adornadas, fogos e confetes deram um brilho maior à festa.

Apesar dos temas densos e das memórias duras, os homens e as mulheres extrativistas sorriam e se abraçavam, como quem renova as esperanças – e as forças – pros desafios vindouros.

O seminário Floresta para Sempre marca o encerramento do projeto Cadeias de Valor Sustentáveis, financiado pela Usaid e executado pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e parceiros, com destaque para a atuação local do Comitê de Desenvolvimento Sustentável (CDS) de Porto de Moz.

O seminário contou com a parceria institucional da Conexsus, CredAmbiental, Instituto Beraca, Instituto Interelos, Ledtam/UFPA, Centro de Empreendedorismo da Amazônia e Embrapa.

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