Laços e trocas de experiência marcam o Seminário “Economias da Sociobiodiversidade”

Por Catarina Barbosa

O evento reuniu lideranças de diversos estados da Amazônia e debateu formas de fortalecer as cadeias produtivas, que contribuem para deixar a floresta em pé

Fortalecer o debate entre redes de empreendimentos comunitários das cadeias produtivas do açaí, castanha, madeira, pirarucu e jacaré. Esse foi um dos muitos objetivos do seminário “Economias da Sociobiodiversidade: A Construção Social do Mercado”, realizado em Belém do Pará pelo Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar (OMFCF).

O objetivo do evento, realizado em parceria com o projeto “Promoção de Cadeias e Gestão Territorial e Ambiental de áreas Protegidas”com execução do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) com apoio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento (USAID) é fortalecer esse modelo de desenvolvimento que é ambientalmente sustentável, socialmente justo e economicamente viável.

Tito Gonçalves Neves, membro da Cooperativa de Pescadores, Aquicultores, Agricultores e Extrativistas da Resex Cuniã (Coopcuniã), disse que o evento foi realizado em um momento muito importante para a comunidade: a retomada da principal cadeia produtiva da resex. Isso porque eles estão há quatro anos sem realizar o abate do jacaré.

“Não podemos negar que os maiores desafios da nossa comunidade são financeiros. Com essa pausa foi uma luta diária manter o sustento das famílias da comunidade. Sem dúvida, as nossas mentes se abriram com o aprendizado que tivemos no seminário”, afirma.

Além do Jacaré, a Coopcuniã trabalha o manejo florestal e comunitário da castanha e do açaí.

Vale pontuar que as ações desenvolvidas na comunidade seguem as regras definidas para uso que focam na sustentabilidade dos recursos. O manejo do jacaré, por exemplo, foi uma forma de lidar com a superpopulação dos répteis da região.

Já Alessandra de Souza Santos, também da Resex Cuniã, explica que o seminário a ajudou a entender mais sobre ferramentas de gestão. “O seminário foi maravilhoso. Cada troca de ideia, cada aprendizado que tive, cada experiência. Já estamos nos organizando para aplicar as técnicas que aprendemos para usar em nossa cooperativa”, afirma.

Participaram do evento, manejadores de Rondônia, do Pará, do Amazonas e Amapá, todos dialogando sobre as suas realidades e formas de fortalecimento das cadeias produtivas nas quais atuam.

Conhecimento técnico

“Muitas vezes as pessoas que estão à frente dos empreendimentos comunitários não têm conhecimentos técnicos. Na minha comunidade, eu aplico principalmente o que aprendi voltado para controle financeiro: análise de custos, controle de fluxo de caixa, balanço financeiro e precificação do produto”, diz Keivan Hamoud, do município de Beruri, no Amazonas, que participou do Seminário representando a Associação dos Produtores e Beneficiadores Agroextrativistas de Beruri (Assoab).

Keivan foi uma das pessoas capacitadas pelo Formar Gestão, Programa de Formação Continuada em Gestão de Empreendimentos Comunitários na Amazônia. No total, 40 pessoas aprenderam mais sobre como potencializar a produção das suas comunidades.

Como o seminário tinha como foco o diálogo e também o fortalecimento de estratégias de comercialização de produtos da sociobiodiversidade, a Formação Continuada em Gestão de Empreendimentos Comunitários na Amazônia é um desses eixos.

O projeto tem por objetivo promover uma formação continuada aos atores sociais envolvidos na gestão dos empreendimentos comunitários, fortalecendo as organizações por meio do aperfeiçoamento de seus sistemas de gestão nos campos da organização, produção e comercialização.

Para isso, o Formar Gestão busca, por meio de suas oficinas e atividades, qualificar e empoderar os atores sociais para as tomadas de decisão, a fim de capacitá-los para acessar e gerenciar recursos oriundos de projetos de financiamento e melhorar as relações econômicas na gestão dos empreendimentos, estimulando a adoção de boas práticas de manejo dos produtos e da organização comunitária.

O Formar Gestão foi uma das ações desenvolvidas pelo Projeto “Cadeias de Valor Sustentáveis e Gestão Territorial e Ambiental de Áreas Protegidas na Amazônia Brasileira”, fruto da parceria entre o Governo Brasileiro e a USAID.

“Tive a oportunidade de ter acesso a conhecimentos na área de gestão, controle financeiro, comercialização. Então, todo esse pacote de conhecimentos e metodologias foram oportunizados para as pessoas que participaram do curso e eles são muito importantes para que a gente coloque em prática no gerenciamento das nossas organizações de base comunitária”, afirma Keivan.

A Assoab, cooperativa da qual Keivan faz parte, atua há mais de 25 anos prestando assistência aos pequenos agricultores e pecuaristas do município de Beruri. Atualmente, destaca-se por administrar a maior indústria de beneficiamento de Castanha-do-Brasil do município, empregando direta e indiretamente 60 pessoas e gerando renda para cerca de 150 famílias de extrativistas nas comunidades produtoras de castanha.

Reconstruindo narrativas

Outro papel permanente do Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar, e que foi fortalecido com as discussões realizadas no seminário, é estimular na sociedade a importância das cadeias produtivas familiares.

Assim, o diálogo constante com a comunidade e a sociedade civil caminha no sentido de desconstruir certas narrativas: uma delas é a da marginalização de determinadas cadeias produtivas de manejo florestal comunitário como é o caso da madeira.

Segundo Alison Castilho, coordenador do Programa Territorialidades, Florestas e Comunidades do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) é preciso superar alguns preconceitos instalados em parte importante da sociedade em relação da importância das cadeias da sociobiodiversidade para a manutenção da floresta em pé, garantindo desenvolvimento econômico aliado à conservação da biodiversidade e o respeito aos modos de vidas das comunidades locais. “A madeira mesmo sofre bastante com essa falta de conhecimento técnico dos processos de exploração sustentável, o que leva a muitas pessoas e organizações de diversos campos a não considerarem o manejo madeireiro comunitário enquanto um estratégia eficaz para atuar contra o desmata mento ilegal”, afirma.

Outro ponto que comprova o papel desse tipo de cadeia produtiva é a conservação de determinados territórios comunitários. “Temos experiências de mais de 50 anos nos países das Américas, como México, Guatemala e Costa Rica, que comprovam que as unidades de conservação dedicadas ao uso sustentável, nas quais uma das cadeias produtivas é a da madeira, têm se mantido mais conservadas do que as unidades de conservação destinadas à preservação integral”, detalha.

A questão é que negar a importância da atividade não proíbe o desmatador ilegal de continuar suprimindo esse recurso natural. Assim, o observatório tem nas suas ações a defesa de que o Manejo Florestal Comunitário, aliado a estratégias eficazes de implementação de políticas públicas e fiscalização de atividades ilegais, é o principal caminho para a conservação da biodiversidade dos biomas brasileiros, em especial, da Amazônia.

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