Mulheres e seu papel fundamental nas atividades do Manejo Florestal

Protagonistas no manejo de óleos, resinas e frutos, as extrativistas avançam e agora ocupam também espaço no manejo madeireiro.

Elas estão presentes em todas as atividades e no manejo florestal comunitário e familiar sempre estiveram à frente na coleta da castanha, no tecer do cipó-titica e na coleta e cultivo de plantas medicinais. Quanto a isso, não há dúvida: elas são protagonistas. Agora as mulheres avançam também para conquistar mais espaço no manejo madeireiro.

Na década de 80, quando se começa a falar do manejo florestal e comunitário, a madeira se torna o principal produto do setor e nele a presença dos homens ainda é muito forte por conta da especificidade da atividade, o que acaba por segregar as mulheres na atividade.

Para a engenheira florestal Roberta Coelho, docente do Instituto Federal do Pará (IFPA) campus Castanhal, isso tem explicação. “O manejo da madeira envolve a extração e o traçamento das toras, o que para alguns é uma atividade mais facilmente realizada por homens, mas isso nitidamente tem mudado com o passar dos anos”, explica. 

Segundo Roberta, a presença da mulher aumentou inclusive em sala de aula. “Quando iniciei no IFPA-Castanhal, então Escola Agrotécnica, em 2006, a turma de técnico em florestas só tinha duas mulheres. Em 2019 e 2020 as mulheres eram cerca de 50% da turma, afirma. O fato, inclusive, já pode ser sentido no mercado de trabalho. “Algumas empresas, inclusive, preferem mulheres para cargos técnicos. Esse é um sinal de que a qualificação finalmente está sendo colocada à frente da questão de gênero, como deve ser”. 

Mulher & Gestão 

Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) indicam que atualmente as mulheres compõem mais de 40% da força de trabalho agrícola nos países em desenvolvimento. No entanto, o número de mulheres proprietárias de áreas de plantação não chega a 20%.

Waldileia Rendeiro, coordenadora da linha de ação Gênero e Sustentabilidade do Programa Territorialidades do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), afirma que no Brasil as mulheres são proprietárias de apenas 19% dos estabelecimentos rurais, segundo o último dado produzido no setor, o Censo agropecuário de 2017. “As mulheres vivem efeitos diversos das desigualdades na vida social, o que influencia, por exemplo, no número reduzido de representações femininas nos espaços públicos e de tomadas de decisão no mundo do trabalho agroextrativista, isso sem dúvida impacta no interesse produtivo e na garantia de suas demandas e necessidades”. 

De acordo com Ana Carolina Vieira, associada da Rede Mulher Florestal, essas estatísticas evidenciam que as mulheres representam um dos grupos sociais menos favorecidos no mundo, exigindo medidas para mudar essa realidade. Ela destaca a importância e a necessidade da participação das mulheres nas agendas de desenvolvimento dos territórios, nos trabalhos e no extrativismo. Dessa forma, as demandas específicas dessas mulheres podem ser consideradas, o que desempenha um papel fundamental no processo de desenvolvimento sustentável e conservação da sociobiodiversidade.

Segundo Ana Carolina Vieira, as mulheres têm contribuído de maneira significativa para atender às exigências do mercado. “O mercado, especialmente o internacional, está se tornando mais rigoroso em relação à rastreabilidade, e as mulheres têm se destacado ao indicar a origem do produto, assim como ao participar da organização do processo produtivo documentado”, ressalta.

Conforme informações da Rede Mulher Florestal, as mulheres desempenham um papel importante na gestão de empreendimentos comunitários, administração, distribuição de tarefas, organização documental e registro de informações. “Nossa avaliação atual é de que, na agenda do Manejo Florestal Comunitário e Familiar, temos diversas cadeias produtivas, e as mulheres têm a capacidade de atuar em qualquer etapa do manejo florestal e em qualquer segmento da cadeia de valor.”

Por fim, é importante debater as relações econômicas para além do valor monetário da cadeia produtiva. “Precisamos visibilizar técnica e politicamente a produção não monetária protagonizada pelas mulheres rurais, tais como relações de consumo, doação, trocas, cuidar e bem viver, ao propor e discutir novos modelos de políticas públicas, afirma Katiuscia Miranda, membro da coordenação do Programa Territorialidades do IEB. 

Manejo não-madeireiro 

Entretanto, quando o assunto é o manejo não-madeireiro como o dos óleos, sementes, resinas, frutos e plantas medicinais, as mulheres reinam. “Esse tipo de manejo é historicamente feito pelas mulheres, então elas dominam a atividade. Nosso desafio agora é lutar para que elas fixem espaço no manejo da madeira. É um processo de desconstrução que ainda está em passos lentos, mas está ocorrendo”, reforça. 

Na avaliação de Maria Creusa Ribeiro, presidente da Cooperativa mista agroextrativista floresta sempre viva três rios (COOMAR), o papel da mulher na atividade começa com a própria percepção do que é manejo. “Quando constituímos a ideia do manejo em meados da década de 80, o papel da mulher já era reivindicado, mas era pouco reconhecido”, resume.

Desde essa época, Maria Creusa conta que todas as conquistas foram fruto de muita luta. “Até hoje ficamos atentos para saber se as mulheres estão nas atividades que gostariam de estar, porque é comum dizerem que a mulher está no manejo da madeira, mas só oferecem a ela a atividade da cozinha, por exemplo. É preciso que todos entendam que o lugar da mulher é onde ela quiser”, afirma.

Maria Creusa pontua, inclusive, que há expectativas de que nas próximas safras da madeira mulheres já possam estar operando máquinas e acrescenta ainda que ter uma mulher à frente de um cargo de gestão faz muita diferença. “Quando uma mulher está em um cargo de comando é nítida a eficiência do trabalho. Sem contar a organização, a facilidade de diálogo e a coleta de dados que é muito mais efetiva”, lista. 

Outro ponto destacado por ela é com relação ao olhar relacionado à floresta. “As mulheres são defensoras da floresta como uso múltiplo, uma visão que olha a floresta para além da madeira, que vê possibilidade no cipó, na castanha, na resina. Um olhar forte e de respeito”, pontua.

Para Katiuscia Miranda, coordenadora do Programa Territorialidades do IEB é fundamental que as organizações e entidades de apoio criem ferramentas para incorporar todo o trabalho desenvolvido pelas mulheres. “Esse processo é parte do trabalho fundamental para sustentabilidade da vida, tais como fomento para quintais agroflorestais aliados a cozinhas coletivas agroextrativistas que visibilizam e fortalecem a atuação das mulheres no manejo florestal”, afirma.

Uma mãe gentil

A extrativista Maria Margarida da Silva, mais conhecida como Margarida Florestal, compartilha desse pensamento. Segundo ela, a floresta é mais do que um espaço de extração de recursos. “Ela é a nossa mãe gentil. É da floresta que nós tiramos o nosso sustento, do madeireiro e do não-madeireiro”, resume. 

Gestora da Cooperativa Mista do Rio Arimum, em Porto de Moz (Pará). Maria Margarida da Silva tem uma atuação reconhecida internacionalmente por sua vida comunitária e gestão sustentável das florestas. 

Nascida em Nossa Senhora do Perpétuo Socorro do Rio Arimum, em uma comunidade onde vivem quase três mil famílias, Margarida é uma das defensoras do manejo. Em 2018, ela recebeu o prêmio Wangari Maathai Forest Champions dedicado a pessoas que trabalham para conservar as florestas e melhorar a vida das pessoas que dependem delas”.

“A floresta vai além da madeira. É dela que tiramos a madeira para fazer a nossa casa, o nosso transporte, que é o nosso barco. É na floresta que a gente vai quando está doente, porque ela é nossa farmácia”, afirma a extrativista. 

Para a extrativista, a floresta é aquela que permite a todos respirar e viver. “Para nós extrativistas ela também sacia a nossa fome nos dando peixe e nos dá água para beber e tomar banho. A nossa relação com a floresta é assim: a floresta cuida da gente e a gente dela”, finaliza.

Texto: Catarina Barbosa

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