Encontro promoveu a troca de conhecimentos entre nações que preservam a floresta amazônica.
Diálogo e troca de experiências acerca de serviços florestais, assim foi a reunião entre a comitiva de dirigentes e técnicos do Serviço Florestal dos Estados Unidos e do Serviço Florestal Nacional e da Fauna Silvestre do Peru com integrantes do Observatório do Manejo Florestal e Comunitário. O encontro foi realizado na tarde da última sexta-feira (18), no auditório do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), em Belém do Pará.
A comitiva, com cerca de vinte integrantes do Serviço Florestal dos EUA e Peru, está no Brasil desde o dia 13 de agosto dialogando com ministérios, instituições públicas, organizações não-governamentais (ONGs), cooperativas florestais e assentamentos a fim de conhecer experiências, tecnologias e políticas públicas que fomentem o uso sustentável da floresta para combater a crise climática. A visita técnica encerra em 20 de agosto.
Domingos Macedo, coordenador do Programa Internacional no Brasil do Serviço Florestal dos Estados Unidos, explica que o papel do órgão é fomentar iniciativas que têm a mesma agenda nos EUA. “Nós apoiamos algumas cadeias de valor da sociodiversidade como a da castanha, açaí e borracha. O papel principal é criar oportunidades, encontros, fomentar intercâmbio e, quem sabe, cooperações técnicas. Há um mês atrás, fizemos uma agenda similar com o Serviço Florestal do Gabão, na África, que ficou interessado em um futuro bem próximo fechar uma cooperação com agências dos seus pares aqui no Brasil”, explica.
Segundo dados do Inventário Florestal Nacional, Nacional de Florestal Pública, um projeto coordenado pelo Serviço Florestal Brasileiro, um terço das florestas da América Latina estão sob o domínio de comunidades e mais de 60% da floresta amazônica está em território brasileiro. Assim, as contribuições do país são fundamentais para o debate.
“O Brasil, por deter, em termos territoriais, mais espaço dentro da bacia amazônica, tem ganhos e lições interessantes que podem ser utilizadas pelos países vizinhos. Hoje foi citada a questão do manejo florestal e comunitário como mitigação de emissões de gases do efeito estufa. O Brasil não está adiantado nesse setor, em contrapartida, o Peru já evoluiu bastante nessa área. Esse é o papel desses encontros: fazer um balanço entre experiências e lições aprendidas”.
Elvira Gomez Riveiro, diretora geral de informação e ordenamento florestal do Serviço Florestal Nacional e da Fauna Silvestre do Peru afirma que queria conhecer as vivências brasileiras e outros órgãos, como o Serviço Florestal Brasileiro, iniciativas ligadas ao manejo florestal comunitário e familiar, além do monitoramento e controle, assim como as experiências da Floresta Nacional do Tapajós. “Hoje ouvimos a experiência do manejo realizado pelo Observatório. Temos coisas em comum e outras muito diferentes, mas acredito que com o que ouvimos podemos melhorar o manejo florestal no nosso país”.
O combate à crise climática foi um tema recorrente na reunião. Elvira pontua que ele atravessa todas as atividades realizadas no setor florestal no Peru, logo o papel principal da reunião foi fortalecer os laços de cooperação entre os países.
“Na reunião um dos meus companheiros perguntou acerca de manejo florestal comunitário e como ele consta como mitigação das mudanças climáticas. Ele fez a pergunta, porque isso é importante para o Peru. Queremos manter e fortalecer essa relação com o Brasil, porque nós temos a Amazônia. Então, é importante trabalhar e identificar parceiros como o próprio Serviço Nacional dos EUA”.
Para o coordenador executivo do IEB, Manuel Amaral, a avaliação do encontro é positiva, porque ao impulsionar o intercâmbio técnico entre países da América Latina e dos EUA. “Neste momento pós-cúpula da Amazônia, esse encontro pode ser visto como uma iniciativa de fortalecimento de se trazer esses temas para discussões acerca do desenvolvimento sustentável”, resume.
Nos dias 8 e 9 de agosto, Belém do Pará recebeu a Cúpula da Amazônia, evento que reuniu os nove países da América Latina que compartilham o bioma. O objetivo foi definir uma agenda comum de preservação da floresta amazônica levando as particularidades de cada região e das pessoas que nela habitam.
Amaral acrescenta ainda que a presença do Observatório do Manejo Florestal e Comunitário na agenda da visita técnica dos serviços florestais do Peru e EUA é um reconhecimento pelo trabalho de 25 anos que o IEB desenvolve no setor. “Nós temos promovido uma experiência inovadora de articulação em rede para a promoção do Manejo Florestal Comunitário. Então saio com uma impressão muito boa desse intercâmbio técnico, porque esse é um tema que tem sido marginalizado nas políticas públicas nos últimos anos, mas que a gente encontra ressonância aqui entre esses países para alavancar essa agenda”.
Visita de Campo – No sábado (19), o IEB facilitou uma visita ao assentamento Abril Vermelho do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), situado no município de Santa Bárbara, a 40 km de Belém. Raimundo Nonato Filho, uma das lideranças do MST/PA, compartilhou o processo criação do assentamento, iniciado em 2004, com a ocupação da fazenda da empresa Dendê do Pará S/A (Denpasa), destinada ao monocultivo de dendê.
O grupo fez três paradas, uma na entrada, onde ainda é possível conferir corredores de plantação de dendê e em outros dois lotes do assentamento. Filho explicou as formas de organização e o processo de transição agroecológica que vem sendo realizado pelos agricultores, com apoio de ongs como o WRI e Imazon.
Criado em 2009, hoje o assentamento abriga cerca de 400 famílias assentadas em uma área de 6.668 hectares de terra. Um dos núcleos familiares visitados foi o da Raimunda Craveiro, mais conhecida como dona Rai. Para chegar no primeiro destino, o grupo percorreu cerca de 20km nas estradas de terra batida e, à medida que os lotes começavam a aparecer, já era possível notar a mudança na composição da paisagem.
Junto com seus três netos e mais a família de um dos filhos, a agricultora cultiva açaí, cacau – entre outras plantas – além de aves e um pequeno tanque com peixes. Assim como a maioria dos que estão assentados no Abril Vermelho, dona Rai utiliza mão de obra familiar e escoa sua produção para feiras da região metropolitana de Belém. Ela comentou sobre o processo de implantação do Sistema Agroflorestal (SAF) em sua propriedade, e sobre a dificuldade de acesso aos mercados institucionais e às políticas públicas para o financiamento da atividade produtiva.
O assentamento Abril Vermelho apresenta uma estrutura organizativa em quatro polos de organização espacial. Inicialmente os agricultores implantaram culturas alimentares anuais, a roça de mandioca, feijão, milho, mandioca e, por volta de 2017, iniciaram o plantio de espécies perenes como andiroba. A partir de 2018, começaram a implantação dos SAFs.
Engenheiro florestal e especialista em restauração ecológica, Alberto Mamani, do Serfor Peru, destacou que a “visita foi muito importante para nós conhecermos a realidade do MST, como desenvolvem seus meios de vida e como, a partir das oportunidades limitadas e também do nível de degradação da terra, buscaram não só curar a terra, mas fazer dela uma oportunidade, não somente para alimentos e para a forma de se organizarem, mas também de entender que a natureza pode ajudar, que podemos conviver de maneira harmoniosa e que podemos cuidar desse nosso lugar comum”, afirmou Mamani.
A última parada foi no lote da família de Raimundo Filho, onde puderam conhecer uma área de integração entre regeneração natural e áreas plantadas. O agricultor fez uma reflexão sobre a necessidade da reforma agrária e a importância de políticas públicas voltadas à educação no campo e ao fortalecimento da identidade camponesa.