Resex Verde Para Sempre: 18 anos de resistência da maior reserva extrativista do Brasil

Com pouco mais de 1,3 milhão de hectares, a Reserva ocupa 82% do território de Porto de Moz, no Pará, e é formada por 37 comunidades, onde vivem cerca de 13.000 pessoas.

Autor: Catarina Barbosa | IEB

“Lembro como se fosse hoje. Era uma época muito difícil, as nossas comunidades eram dominadas e ameaçadas por empresas madeireiras. A força delas era tão grande que a gente não conseguia transitar no território”. O relato de Edilene da Silva, presidente do Comitê de Desenvolvimento Sustentável (CDS) de Porto de Moz, no Pará, é de uma época complicada para quem nasceu dentro do território que hoje é conhecido como a Resex Verde Para Sempre.

Edilene relembra o passado a fim de explicar a importância da Resex Verde para Sempre para os moradores. O território de 1,3 milhão de hectares é considerado a maior Unidade de Conservação (UC) de Uso Sustentável do país, o equivalente a oito vezes o tamanho da cidade de São Paulo. Nesse espaço, atualmente, os moradores da própria comunidade são os protagonistas de negócios sustentáveis que priorizam, antes de tudo, a vida das pessoas e de todos os seres que vivem na floresta.

Em 2022, a Resex completou 18 anos e a presidente do CDS conta que as vitórias são indiscutíveis, apesar de ainda haver muito o que avançar. “Sem dúvida não queremos mais passar pelo que passamos. Imagine você querer colher uma castanha, um cipó e não poder, e o pior: não poder andar dentro da floresta onde nasceu, por ter medo de ser assassinado por um pistoleiro das empresas madeireiras, não queremos mais viver isso, mas ainda precisamos  legalizar vários direitos para os moradores da resex, e vamos”, acrescenta Edilene.

Fundada em 2004, no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o território nasceu em resposta à opressão que as comunidades tradicionais vivenciavam. “Era impossível viver daquela forma, foi com a ajuda da comunidade e também em um grande ato articulado com o pessoal do Greenpeace, quando paralisamos o rio, que finalmente fomos ouvido”.

O ato citado por Edilene ocorreu em 2003, um ano antes da criação da reserva, mas repercutiu nacional e internacionalmente. A madeira, produto amplamente consumido dentro e fora do Brasil não tinha, até então, nenhum tipo de regulamentação. Assim, empresas atuavam explorando de forma desenfreada o recurso natural.

Atualmente, a madeira extraída da resex obedece ao chamado “plano de manejo”, uma articulação minuciosa que envolve o conhecimento das comunidades tradicionais e o de cientistas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), do Instituto Floresta Tropical (IFT) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). “Antes, as empresas madeireiras dominavam o território e faziam a derrubada de maneira desenfreada e explorando a mão de obra das comunidades tradicionais. Hoje, lutamos para que esse processo continue nas mãos da comunidade”, reforça a presidente.

Entre os anos de 2017 e 2019, as atividades madeireiras geraram cerca de R$ 6 milhões sem esgotar a floresta e valorizando as comunidades tradicionais.

Avançando

Amparados pelo decreto que deu origem à Resex Verde para Sempre, agora as lutas são no sentido de manter as conquistas e avançar por mais direitos e também a fim de aprimorar a maior atividade do território, o manejo florestal e comunitário da madeira e incluir outras. “Estamos dialogando sobre a cadeia produtiva do óleo de copaíba e outras, quanto mais atividades tivermos, melhor para as comunidades”, acrescenta Edilene, que afirma que o diálogo sobre a nova atividade já está bastante avançado.

Em outro sentido, um dos desafios a serem superados segundo a presidente do CDS é com relação a fragilidade jurídica do decreto que deu origem ao território. “Precisamos avançar para conquistar o Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU), documento que não temos e que garante uma segurança jurídica para todo o território”, pontua.

O CCDRU é um documento que consolida a regularização fundiária em unidades de conservação das categorias Reserva Extrativista e Reservas de Desenvolvimento Sustentável, assim como nas Florestas Nacionais com populações tradicionais identificadas, por meio dele são estabelecidos direitos e deveres relacionados ao desafio de se promover o desenvolvimento socioambiental de comunidades identificadas como parceiras na missão de se conservar a biodiversidade.

A presidente do CDS, Edilene da Silva, conta que durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022) a reserva sofreu uma grande ameaça com o projeto “Adote um Parque”, que permitiria, entre outras coisas, o custeio da conservação dos parques nacionais por empresas nacionais ou estrangeiras, e também indivíduos.

Com a pressão dos movimentos sociais e de instituições ligadas à proteção da Resex, o plano não saiu do papel por ferir a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, que prevê às populações tradicionais o direito à consulta prévia, de forma livre e informada, antes de serem tomadas decisões que possam afetar seus bens e direitos. “Foi uma época de muita aflição e penso que o CCDRU nos daria segurança em situações como a do Adote um Parque, na qual todos fomos pegos de surpresa”.

A união 

A coletividade é algo inerente ao trabalho desenvolvido dentro da Resex Verde Para Sempre e o surgimento do Comitê de Desenvolvimento Sustentável (CDS), apenas consolida essa união, uma vez que concentra diversas organizações da pesca, trabalhadores rurais, comunidades de base, da igreja, além de cooperativas e associações. Todas pessoas precisam da floresta para manter seus modos de vida.

Erisvaldo Barbosa, vice-coordenador do CDS, também é presidente da Associação de Pescadores artesanais de Porto De Moz conta que começou a pescar com o pai aos 12 anos de idade e que a vida dele se mistura com a vida que pulsa na Resex Verde Para Sempre. “Eu lembro de pescar desde sempre. Eu pescava, estudava e vendia o peixe. Em casa, a gente tinha uma roça para fazer uma farinha e outras coisas, mas mais para o nosso sustento. Foi através do trabalho da pesca que entrei no movimento social da colônia de pescadores. Em seguida, fui o primeiro presidente e juntos conseguimos desenvolver a organização dos pescadores de Pesqueira”, lembra ele.

Os processos de decisão são sempre fruto de muito diálogo e Erisvaldo é um dos defensores da necessidade de se conquistar o Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU). “Esperamos com o novo governo avançar nessa conquista. Estamos otimistas, mas também atentos ao que precisa ser conquistado para garantirmos mais tranquilidade para os moradores da resex”

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