Recurso abre caminho para mais autonomia das populações extrativistas
Terça-feira, 08 de outubro, foi um marco para o Manejo Florestal, Comunitário e Familiar (MFCF), principalmente para duas organizações comunitárias da Reserva Extrativista Verde para Sempre, no Pará. Elas conquistaram o acesso ao crédito do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar para custeio da exploração sustentável da madeira, um feito inédito entre os empreendimentos de MFCF no Brasil.
As organizações acessarão o valor de aproximadamente R$ 850 mil para custear a safra de 2019 em dois planos de manejo na Resex localizada no município de Porto de Moz. O agente financeiro que administrará o contrato é o Banco da Amazônia, uma das instituições envolvidas na conquista que demorou cerca de quatro meses para se realizar.
“Temos como valores promover o desenvolvimento sustentável da região Amazônica e, portanto, é primordial o fomento de atividades produtivas comunitárias e ambientalmente sustentáveis”, comenta o gerente geral do Basa em Altamira, Plínio Ramalho, responsável pelas contratações de crédito durante o evento.
Mais autonomia
A Associação Comunitária Agroextrativista do Rio Curuminim (ACARC) e a Cooperativa Mista Agroextrativista Nossa Senhora do Perpétuo Socorro do Rio Arimum (Coomnspra) serão as beneficiadas com o crédito. Ambas possuem compradores para a safra de 2019, um montante de mais de 9 mil metros cúbicos de madeira manejada de forma sustentável.
Na prática o recurso do crédito aumenta a autonomia dos empreendimentos comunitários para a negociação da madeira em tora oriunda do manejo, uma vez que garante o recursos financeiros necessário para o início das operações florestais. Para se ter uma noção dos custos, a exploração de uma área de 200 hectares demanda cerca de R$ 400 mil para as etapas iniciais da extração.
“Além de melhores negociações de comercialização, esse recurso possibilita com que os gestores dos empreendimentos negociem melhores preços e condições na compra de insumos e aluguel de maquinário, diminuindo os juros elevados que são pagos em compras parceladas e até mesmo de empréstimos” , explica a coordenadora de projetos do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), Katiuscia Miranda.
O crédito vem em boa hora, resume o presidente da ACARC José Francisco de Jesus. “Vai facilitar o pagamento de maquinário, combustível, alimentação e, principalmente, nos torna livres dos adiantamentos dos compradores”, destaca. “Esse momento é muito esperado. Ele é a continuidade da busca pela melhoria de vida de nossas famílias, dos cooperados e dos nossos processos de manejo”, relata o presidente da Coonmspra, Jones Santos, a frente de uma organização que desde 2016 tem suas operações de manejo certificadas pelo selo internacional FSC.
Construção
Para entender o feito é necessário voltar ao mês de maio, quando o Basa se comprometeu em priorizar a análise e liberação de crédito para sistemas agroflorestais e atividades econômicas chamadas de “linhas verdes””. O compromisso foi feito para cerca de 30 membros do Observatório do Manejo Florestal, Comunitário e Familiar (OMFCF), iniciativa articulada pelo IEB.
“Esse é um passo importante para que as comunidades possam obter financiamento público para o manejo sustentável das florestas na Amazônia”, diz Manuel Amaral Neto, coordenador executivo do IEB. “Não tenho a menor dúvida da importância desse fato para o trabalho que desenvolvemos junto ao Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar. Essa é uma conquista coletiva para e com as comunidades”, completa Neto.
Planilha
A Conexsus e o Basa assinaram uma cooperação técnica este ano. A parceria visa implementar melhorias que facilitem aos empreendimentos comunitários sustentáveis da região o acesso ao crédito de custeio para a exploração extrativista ecologicamente sustentável. A planilha de risco do manejo florestal comunitário que facilitou o crédito para a Resex Verde para Sempre é um produto dessa cooperação realizada junto com outras organizações parceiras, como o OMFCF.
“Um dos nossos focos de trabalho é criar soluções inovadoras de crédito para os negócios comunitários, especialmente na Amazônia, onde há um grande potencial”, aponta João Luiz Guadagnin, da Conexsus. O documento é fundamental para avaliar projeções, viabilidade técnica, econômica e ambiental das operações de crédito. No banco apenas o manejo do Açaí teria documento semelhante ao que foi elaborado.
Com a planilha criada foram definidos os critérios para o acesso aos recursos financeiros. Por exemplo, o crédito será por meio de Declaração de Aptidão ao PRONAF (DAP) individual dos cooperados e associados, porém a gestão financeira dos recursos será coletiva e feita diretamente pela conta jurídica da cooperativa e/ou associação. Além disso, o crédito terá taxa de juros de 3% ao ano com prazo de até 2 anos para devolução do recurso. Após essas definições foram realizadas em Belém e Porto de Moz oficinas de gestão financeira e opções de crédito para produtos da sociobiodiversidade realizadas pelo OMFCF.
O momento é de mais uma vitória dentro da luta dos movimentos sociais em Porto de Moz, conta a liderança local, Maria Ribeiro. “Nossas conquistas vem desde a criação da Resex, passa pelas autorizações do manejo florestal e, agora, o acesso ao crédito”, relembra. “Hoje é um marco importante, pois estabelecemos a relação: comunidade-banco, banco-comunidade. Ambos ocupando o mesmo espaço [de negociação], em uma parceria que tem tudo para dar certo”.
Por Lucas Filho, com informações de Basa e Conexus
Foto: Acervo IEB