Manejo florestal sustentável movimenta a economia da Resex Mapuá, no Marajó
Em parceria com o IFT, comunidades demonstram que é possível manejar recursos florestais de forma sustentável e comemoram as primeiras vendas de açaí certificado e madeira legalizada
A última safra do açaí foi histórica para os produtores da cooperativa agroextrativista dos rios Aramã e Mapuá (Coama), no município de Breves, região do Marajó. Fundada há sete anos, a organização comemorou a conquista da primeira venda de açaí certificado. A cooperativa, formada por 59 famílias, conseguiu fechar negócio com uma fábrica do estado de São Paulo e comercializou, em agosto do ano passado, 252 toneladas de açaí certificado de manejo.
“Essa conquista é muito importante para a nossa comunidade. Pois, além de movimentar a economia local, ela qualifica a produção do fruto e, principalmente, ajuda a quebrar a mediação com o atravessador, que sempre foi um grande problema pra gente”, afirma Janari Gonçalves, presidente da Coama.
O sentimento de conquista do gestor comunitário também é compartilhado pela produtora de açaí Michele Marques. Liderança da Reserva Extrativista Mapuá, ela afirma que a comercialização do fruto via cooperativa era um sonho dos moradores, e que agora, graças ao apoio do Instituto Floresta Tropical (IFT), se tornou realidade. “Já estamos nessa luta há muito tempo porque a gente acredita que organização social é fundamental para o fortalecimento da nossa comunidade”.
A primeira venda da cooperativa é resultado de uma parceria dos moradores da Resex com o projeto Florestas Comunitárias do IFT. A partir dessa interação, os comunitários participaram de capacitações técnicas sobre cooperativismo e associativismo, cadeia de valor do açaí, segurança do trabalho e técnicas de manejo adequado à produção e armazenamento do fruto. O projeto, que tem como finalidade apoiar a implementação de modelos de manejo florestal comunitário para uso e comercialização de madeira e açaí em Unidades de Conservação, conta com o apoio financeiro do BNDES, por meio do Fundo Amazônia.
“Isso é um marco histórico para o território e precisa ser celebrado. Porque o primeiro grande desafio foi instituir e manter regularizada a cooperativa em si. O território precisava ter o seu empreendimento comunitário e a cooperativa nada mais é do que empresa da comunidade. Isso regulariza e fortalece a produção dessas famílias”, destacou a engenheira florestal Amanda Quaresma, responsável pelas oficinas direcionadas para a cadeia de valor do açaí, promovidas pelo IFT.
Madeira sustentável – Além da primeira venda de açaí certificado, o ano de 2021 também foi marcado pela comercialização do primeiro lote de madeira legalizada da Resex Mapuá. O volume explorado, de 367 metros cúbicos de madeira em tora, é referente à primeira Unidade de Produção Anual (UPA), iniciada em dezembro de 2020.
“O manejo florestal comunitário era um projeto antigo dos moradores daqui. Há muitos anos a gente aguardava por esse momento, pois sabemos que ele pode significar um divisor de águas no desenvolvimento da nossa comunidade”, comemora o agroextrativista João Batista Brandão, do grupo de manejadores do rio Aramã, responsável pela exploração florestal da primeira UPA.
A exploração florestal na localidade atende às recomendações feitas em setembro de 2019 pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão responsável pela aprovação do Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) da RESEX. O Plano contempla uma área de aproximadamente 6.300 hectares, dividida em dois polos comunitários: “Boa Esperança” e “Santíssima Trindade”.
De acordo com Marcelo Galdino, coordenador do programa Florestas Comunitárias do IFT, a atual etapa do manejo sustentável de madeira na reserva é reflexo da organização comunitária e do plano de manejo sustentável, que começou a ser elaborado em 2018 a partir de uma oficina do IFT destinada ao grupo de manejadores locais. “Todo o processo de elaboração do plano de manejo contou com a participação da comunidade. Desde a primeira reunião até a finalização do plano, tudo foi feito de forma participativa, ouvindo os manejadores da Unidade, ICMBio e o conselho gestor da RESEX”, destaca Galdino.
O Plano de Manejo Florestal Sustentável é uma forma de organizar o uso tradicional dos recursos naturais, com respeito às especificidades ambientais e ao modo de vida da população tradicional residente no interior da RESEX.
Após 10 anos, lei do manejo florestal comunitário continua pendente no Pará
Diante das altas nas taxas de desmatamento na Amazônia, a criação da política estadual do manejo florestal comunitário pelo Governo do Pará representa um esforço exemplar para a manutenção das florestas e proteção dos povos e comunidades tradicionais. No entanto, o processo de formulação da política se arrasta há cerca de 10 anos
Idealizada para atender às demandas dos povos, comunidades tradicionais e agricultores familiares que se relacionam com áreas de florestas públicas ou coletivas, a política estadual de Manejo Florestal Comunitário e Familiar tem sido uma promessa adiada há dez anos por diferentes gestões do Governo do Pará.
Após diversas consultas e debates públicos, realizados em diferentes regiões do estado desde o ano de 2012, uma minuta de decreto estadual chegou a ser elaborada por um grupo de trabalho interinstitucional, mas até hoje as organizações públicas, não-governamentais e as associações de base comunitária envolvidas não obtiveram retorno em relação à proposta.
Uma das justificativas para a demora seria a ausência, por parte do governo estadual, de um protocolo de consulta pública a todas as comunidades e povos atingidos pela política.
A professora Roberta Coelho, do Instituto Federal do Pará (IFPA) – Campus Castanhal, vem participando das discussões sobre a política e aponta que 10 anos representam tempo suficiente para a definição dos instrumentos de escuta por parte do governo estadual. Em sua avaliação, a demora do Estado em promulgar a lei envolve a proteção dos interesses de diversos setores econômicos que podem ser contrariados, na medida em que uma política desse tipo definirá os usos possíveis e os limites para os usos das florestas públicas e territórios coletivos.
“É muito político a não efetivação da política de manejo florestal comunitário e familiar”, enfatiza Roberta, apontando que a conjuntura política é de desmonte dos órgãos nacionais de fiscalização e de constantes altas no desmatamento no estado.
Segundo o Instituto do Homem e do Meio Ambiente na Amazônia (Imazon), o Pará manteve em 2021 a liderança histórica no ranking dos que mais desmatam, com 4.037 km² de florestas derrubadas. Essa área representa quase 40% de toda a devastação registrada na Amazônia no último ano, calculada em 10.362 Km².
A tendência de aumento continua em 2022. Apenas em fevereiro, o estado teve 82 km² de florestas devastadas, o que representa um incremento superior a 20% em relação ao mesmo mês do ano passado. No mesmo período, o estado teve ainda metade das 10 unidades de conservação mais desmatadas em toda a região amazônica.
Liderança na comunidade de Santo Ezequiel Moreno, do Projeto Estadual de Assentamento Agroextrativista Acuti Pereira, em Portel, Teofro Gomes Lacerda ressalta que a ausência de regulamentação implica na falta de espaço para que as populações e comunidades levem as suas reais demandas, como a de regularização fundiária e de licenciamento de atividades tradicionais, aos órgãos estaduais.
“Quem tem conseguido aprovar planos de manejo são os que não moram nos territórios, são os empresários”, afirma. “É uma política alheia a quem tem direitos [de usar a terra e manejar os recursos], que são as comunidades tradicionais”.
Teofro argumenta ainda que uma política de manejo florestal por comunidades e famílias envolve a exploração dos produtos não-madeireiros, como o açaí e outros frutos, óleos e sementes, entre outros. “Daqui a pouco, a falta de políticas de combate à extração ilegal e a ausência de regulamentação permitirão que os empresários dominem essas atividades, como já é feito com a madeira”, comenta.
A elaboração de uma lei de manejo florestal comunitário está prevista no Plano Amazônia Agora, apresentado pelo governador Helder Barbalho na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, realizada em Glasgow no final do ano passado. No entanto, no painel de monitoramento do plano, a atividade consta apenas como “em fase de execução”, sem maiores detalhes ou efetivo diálogo com as organizações do setor.
Questionada por ofício sobre o estágio atual do processo de tramitação da política, a titular do Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-Bio), Karla Bengtson, respondeu que a minuta foi enviada à Procuradoria Geral do Estado, “com todos os ajustes realizados pelas reuniões preparatórias conjuntas com as instituições envolvidas”. Segundo a titular, “após a análise da PGE, os ajustes de suas recomendações, a minuta será encaminhada para a Assembleia Legislativa do Estado do Pará”.
Reunião do GT Interinstitucional da Politica Estadual de MFCF. Belem, 2012
Oficina Regional em Marabá, 2013
Oficina de Elaboração da Política Estadual do MFC. Breves, 2013
Oficina de Elaboração da Política Estadual do MFC. Breves, 2013
Oficina de Elaboração da Política Estadual do MFC. Breves, 2013
Oficinas em Breves , 2013
Oficinas em Breves , 2013
Oficina em Altamira, 2013
Preocupação – O analista socioambiental do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), Alison Castilho, lembra que, desde o início, as discussões sobre a política do manejo comunitário partiram de iniciativas populares, com a participação de associações de base comunitária. A minuta enviada ao Governo do Pará teria sido um dos resultados dessa ação coletiva, mas após a entrega, as organizações da sociedade civil e as comunidades envolvidas não tiveram mais retorno sobre a proposta.
“Nossa expectativa era a de que houvesse maior transparência no processo. Não sabemos, inclusive, qual a forma e o conteúdo do documento que será encaminhado à votação”, relata.
Outra questão diz respeito à governança para a tramitação de um projeto de lei na Alepa. Ao ser enviada ao legislativo, a minuta da política pode ter a forma de decreto complementar à Lei de Florestas Públicas do Estado do Pará, a ser assinado pelo governador do Pará, ou de projeto de lei, que daria maior segurança jurídica ao texto, mas que também envolve possibilidades de mudanças em seu conteúdo.
“A nossa grande preocupação é que a internalização dessa discussão como projeto de lei no estado poderia desconfigurar completamente tudo que foi construído na discussão da política com diversos atores da sociedade desde 2012”, aponta Alison. “A questão aqui é como assegurar a governança capaz de garantir a tramitação de um projeto de lei dessa natureza sem a desconfiguração do mesmo”.
De acordo com o analista, um exemplo que materializa essa preocupação é a Lei nº 8.878/2019, que dispõe sobre a regularização fundiária de ocupações rurais e não rurais em terras públicas do estado do Pará. Depois de aprovada, organizações da sociedade civil e mesmo dos Ministérios Públicos federal e estadual produziram pareceres apontando a lei como inconstitucional, por facilitar a grilagem de terras públicas no estado.
“A chamada Lei da Grilagem foi aprovada a toque de caixa na Assembleia Legislativa. É um exemplo muito explícito de como essas discussões, que muitas vezes partem de iniciativas e anseios populares, podem ser completamente deturpadas”, complementa Alison.
Para a promotora pública do Estado do Pará, Ione Nakamura, o maior entrave à regulamentação tem sido a definição formal de um processo amplo e inclusivo de consulta às diversas comunidades afetadas pela política no estado do Pará.
“O nosso objetivo é alcançar uma forma que contemple as diversas comunidades tradicionais do estado do Pará que precisam dessa política, [sob] a forma como elas gostariam de ser consultadas pelo Estado, para que essa política realmente seja aprovada, tenha o conhecimento e as contribuições dessas populações”, assegura a promotora. “E, para que o Estado ao sancionar essa lei ou decreto, realmente esteja cumprindo o seu dever constitucional de fazer com que os direitos dessas populações sejam observados, cumpridos e protegidos pela política estadual”.
Segundo a promotora, na prática, a ausência de regulamentação faz com que os órgãos de controle e fiscalização ambiental não possuam procedimentos adequados para as atividades realizadas por diversas comunidades que usam tradicionalmente a floresta. “Sejam os usos para a coleta de sementes, de frutos, como também o madeireiro para a subsistência ou a construção de casas, barcos, cercas e também para a movelaria, essas atividades dessas comunidades encontram ainda hoje muita dificuldade para a sua legalização”, explica.
O Observatório do MFCF entrou em contato com a assessoria de comunicação e o gabinete da Procuradoria Geral do Estado, a fim de saber o status de análise da minuta da política estadual de MFCF, mas não obteve resposta até o fechamento do boletim
Texto: Brenda Taketa | Imagens: Arquivo IEB
Mulheres do campo e da cidade reativam associação em Porto de Moz
Cerca de 60 mulheres elegeram no começo dessa semana a nova diretoria da Associação de Mulheres do Campo e Cidade Emanuela, em Porto de Moz.
A eleição marca o reinício das atividades da associação, que havia reduzido a sua atuação nos últimos anos e teve a retomada decidida em assembleia geral no dia 07 de março. O encontro foi realizado com o apoio do Comitê de Desenvolvimento Sustentável de Porto de Moz.
Como resultado da mobilização, as associadas realizaram no dia 08 uma marcha em direção à Sala Lilás, espaço de acolhimento e proteção a mulheres, crianças e adolescentes, inaugurado pela Prefeitura de Moz em parceria com diversas organizações da sociedade.
A Associação Emanuela deve compor a iniciativa, a partir do encaminhamento de mulheres que necessitem de atendimento e também com a realização de outras ações direcionadas ao público feminino.
Diversas visitas às zonas urbana e rural também estão sendo programadas pelas associadas, com o objetivo de assegurar novas adesões e ampliar a articulação com outros grupos e núcleos de cada localidade. Elas também planejam mobilizar novas parcerias, elaborar projetos e participar de editais voltados à temática de gênero, garantia de direitos das mulheres e geração de renda.
Criada em 1998, a associação foi idealizada por centenas de mulheres reunidas pela Pastoral da Mulher. Seu nome é uma homenagem à missionária que incentivou na época o processo de organização em torno da reivindicação de direitos e de assistência social às mulheres de Porto de Moz.
“Quando nós criamos a associação, a missionária Emanuela já havia sido transferida. Pela importância dela em toda a nossa história aqui, a gente batizou a associação com o mesmo nome, como forma de mantê-la viva entre nós”, comenta Maria Creusa Ribeiro, nova presidenta da Associação.
Observatório do MFCF acompanha inquérito sobre planos de manejo na Resex Verde Para Sempre
Atualmente, um inquérito instaurado pela Procuradoria da República em Altamira investiga o cumprimento dos parâmetros ambientais e sociais dos planos de manejo em execução na reserva extrativista, que é a maior dessa categoria no país
Belém, 25 de fevereiro de 2022 – No dia 14 de fevereiro, o Ministério Público Federal enviou ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) a solicitação de adiar as discussões, a ampliação de áreas e as aprovações de novos planos de manejo florestal comunitário de uso múltiplo na Reserva Extrativista (Resex) Verde Para Sempre, situada no município paraense de Porto de Moz, na região conhecida como Baixo Xingu.
Elaborado pela Procuradoria da República em Altamira, o ofício foi endereçado ao Gerente da Regional Norte do ICMBio, Fabio Menezes de Carvalho, e faz referência a duas pautas contidas na “Convocatória para a Reunião do Conselho Gestor”. O encontro foi realizado nos dias 16 e 17 deste mês, no ginásio da Escola Dom Bosco, em Porto de Moz.
As duas pautas retiradas da agenda da reunião diziam respeito à deliberação sobre o aumento das áreas pretendidas para planos de manejo de uso múltiplo e à discussão de um modelo de regularização fundiária contrário ao uso coletivo dos territórios tradicionais, que sustenta a própria concepção de reserva extrativista.
Segundo o documento, o pedido de adiamento das discussões e da aprovação de novos planos de manejo se baseia na necessidade de finalização de uma perícia em andamento, voltada à identificação de possíveis irregularidades nos planos em execução na Resex, que é a maior unidade de conservação dessa categoria no país.
A perícia é parte do Inquérito Civil nº 1.23.003.000112/2021-13, instaurado pela Procuradoria em maio de 2021, para investigar se estão sendo cumpridos de fato os parâmetros ambientais e sociais que devem reger os planos de manejo em unidades de conservação, conforme o previsto pela legislação nacional.
A investigação do MPF busca identificar se os planos de uso múltiplo em execução estão em conformidade com o que dispõe a Instrução Normativa 16/2011 (IN-16) do ICMBio, que regulamenta a atividade.
Entre outras diretrizes, a norma aponta que a execução dos planos de manejo devem ter como protagonistas as comunidades detentoras do direito de uso dos territórios das reservas. No entanto, na prática, há denúncias de situações em que empresas madeireiras estariam assumindo a execução dos planos, o que subordinaria as comunidades aos seus interesses.
Caso irregularidades sejam detectadas, o MPF deve recomendar ajustes nos planos implementados pelas comunidades e, eventualmente, responsabilizar os envolvidos.
O ofício antecipa que “já está evidenciado que o modus operandi hoje praticado na RESEX Verde para Sempre foge aos objetivos impostos pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) para as Reservas Extrativistas, afastando-se o ICMBio de sua missão institucional. Fato este de gravidade ímpar”.
Além disso, o documento orienta que as discussões sobre regularização fundiária da Reserva terão de seguir os princípios basilares que regem a unidade, em especial as peculiaridades da ocupação tradicional extrativista.
Observatório do MFCF – O Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar (OMFCF) articula diversas organizações da sociedade civil, institutos de ensino, pesquisa e comunidades, com a missão de promover o manejo florestal como uma estratégia relevante, consistente e viável para a sustentabilidade da Amazônia. Nesse sentido, busca contribuir para a valorização e a garantia dos direitos e dos modos de vida de agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais, além da construção de um modelo de desenvolvimento ambientalmente sustentável e socialmente justos para a região.
Amapá: Seminário abordará a garantia de direitos às mulheres que trabalham com a sociobiodiversidade
O evento será realizado no centro de Macapá, marcando o encerramento do Programa de Formação em Gestão de Empreendimentos Agroextrativistas no Amapá
Macapá, 21 de fevereiro de 2022 – A inclusão socioprodutiva de mulheres que manejam a sociobiodiversidade na região do Beira Amazonas e em Bailique será o tema do seminário previsto para os próximos dias 22 e 23 de fevereiro, em Macapá.
Realizado pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), em parceria com a Universidade do Estado do Amapá (UEAP), o evento marcará o encerramento oficial do Programa de Formação em Gestão de Empreendimentos Agroextrativistas no Amapá. A iniciativa foi realizada por ambas as organizações, em diálogo com outros projetos e ações desenvolvidos por uma rede que inclui a Embrapa Amapá, as Associações das Comunidades Tradicionais do Bailique (ACTB), de Moradores e Agricultores Familiares da Comunidade Rio Bacaba (Agrobacaba), da Escola Família Agroecológica do Macacoari (AEFAM) e a cooperativa Amazonbai, entre outras.
A fim de assegurar o protocolo de prevenção à COVID-19, o seminário será restrito a um público de 45 participantes, entre os quais se destacam mulheres extrativistas, lideranças comunitárias e dirigentes de organizações produtivas de base comunitária. Lideranças de organizações mistas, dos movimentos sociais e representantes de organizações públicas do Amapá também foram convidados para o evento.
Agenda – Na terça-feira (22), primeiro dia de programação, será realizada uma mesa sobre o contexto e as formas de acesso a políticas públicas de apoio à inclusão socioprodutiva de mulheres. A agenda incluirá ainda o debate sobre a organização social e a garantia de direitos a mulheres e meninas que vivem nos territórios agroextrativistas.
O dia seguinte (23) será dedicado a rodas de conversa e trabalhos em grupo sobre as formas de melhorar a organização coletiva de três coletivos que atuam a partir do manejo da sociobiodiversidade: a Cozinha Coletiva Beira Amazonas, o Grupo de Mulheres do Limão do Curuá e a Amazonbai.
Mulheres da Cozinha Coletiva do Beira Amazonas participaram do Ciclo de Formações. Imagem: Waldiléia Rendeiro/IEB.
Formações – O Programa de Formação em Gestão de Empreendimentos Agroextrativistas no Amapá envolveu oito ciclos formativos, realizados de outubro de 2021 a fevereiro deste ano.
“Nos encontros formativos, procuramos criar espaços de diálogos sobre temas como gênero, trabalho, auto-organização, sustentabilidade, autonomia econômica e agroecologia, a partir da realidade vivenciadas pelo grupo de mulheres e melhorar o acesso delas às informações”, revela Waldiléia Rendeiro, analista socioambiental do IEB e coordenadora do Programa de Formação.
Junto com os módulos, o programa incentivou o diálogo entre mulheres que atuam em diferentes territórios na Amazônia.“A interação com outras experiências protagonizadas por mulheres do Amapá e de outros estados permitem trocar conhecimento sobre processos de gestão, governança e mercados e, sobretudo, tem promovido reflexões sobre a desconstrução dos papeis socialmente atribuídos às mulheres e a importância do trabalho coletivo ”, aponta Waldiléia.
“Os cursos de formação trouxeram muito aprendizado. As mulheres ribeirinhas se tornaram mulheres empoderadas. Aprendemos a fazer várias iguarias e também aprendemos como funciona uma organização, como devemos vender os nossos produtos no mercado por um preço justo”, avalia Deurizete Cardoso, da Coordenação da Cozinha Coletiva do Beira Amazonas, localizada no município de Itaubal. A Cozinha conta com o envolvimento de mulheres de seis comunidades e foi construída com a colaboração do IEB, a fim de beneficiar a produção agroextrativista com base na culinária local.
Os conteúdos ministrados pelo Programa de Formação também envolveram temas como organização social; mercados; associativismo, cooperativismo e economia solidária; identidade visual; missão de négocios coletivos; produção de conteúdo digital e educação financeira no contexto do trabalho em cadeias de produtos da sociobiodiversidade.
“Aprendemos (nesses cursos) a fazer tabelas, como dividir o preço de cada produto, quanto a gente gasta com cada um para não perder lá na frente. Então eu acho que esse curso de formação está abrindo um leque na mente de várias pessoas. Uma organização envolve organizar e saber administrá-la, saber como tudo realmente funciona”, frisa Deurizete.
Óleo de Pracaxi produzido pelo Grupo de Mulheres de Limão do Curuá. Imagem: Waldiléia Rendeiro/IEB
Histórico – As atividades do IEB no Amapá foram iniciadas em 2014, a partir da implantação de uma agenda socioambiental com as associações das Escolas Famílias do Amapá. Essas ações foram ampliadas com projetos de fortalecimento de cadeias de valor, com o objetivo de conectar economias comunitárias ao tema da educação. Alguns anos depois, a agenda de trabalho foi orientada ao trabalho com mulheres e jovens, buscando aumentar a visibilidade em relação ao protagonismo exercido por esses grupos nas economias locais.
Um exemplo dessas parcerias é a interação com o Grupo de Mulheres do Limão do Curuá, iniciada em 2020, após diálogos com pesquisadoras da Embrapa Amapá, que apoiam a comunidade na adoção de boas práticas de extração e produção do óleo do pracaxi. A comunidade localiza-se no Bailique, um arquipélago com oito ilhas situado no leste do Amapá.
Ana Cláudia Lira Guedes, pesquisadora da Embrapa Amapá, conta que a aproximação com esse Grupo de Mulheres iniciou quase no final de 2018.
“O processo de extração do óleo do pracaxi pelas mulheres do Curuá tem algumas peculiaridades: as sementes não são cozidas, mas trituradas e o escorrimento do óleo se dá por meio de prensagem, a partir de uma prensa construída pela própria comunidade”, relata a pesquisadora. “Mas aí verificamos que, embora o processo delas demandasse menos tempo e por isso apresentasse maior capacidade de produção, havia algumas etapas que ainda necessitavam de cuidados.”
Essas melhorias envolviam a aquisição de material e equipamentos adequados ao manuseio, extração e envasamento do óleo nas diferentes etapas de produção. Outra necessidade era a formação em processos de gestão de negócios e de organização social.
“Uma coisa que a gente constatou a partir das nossas atividades é que essas mulheres são muito inovadoras. Se elas veem que há uma coisa que dá para inovar e facilitar a vida delas, elas vão lá e fazem”, afirma Ana Cláudia.
Grupo de Mulheres do Curuá tem formado uma série de parcerias para melhorar a extração e a venda do óleo do pracaxi. Imagem: Ana Cláudia Lira/Embrapa Amapá
A partir de diferentes projetos elaborados pelo próprio grupo de mulheres, essas questões passaram a ser resolvidas, com o apoio de organizações como o IEB e a Embrapa, entre outras.
Duas soluções encontradas em conjunto foram a aquisição de recipientes em aço inoxidável e a criação de uma prensa mais adequada à extração do óleo do pracaxi. Embalagens para a melhor apresentação e conservação do produto também foram adquiridas pela comunidade a partir dessa articulação.
“Os cursos que nos ofereceram foram muito bons. São novos conhecimentos que já estão nos ajudando e fortalecendo o nosso trabalho. O IEB também nos apoiou na aquisição de materiais, que vão nos ajudar a melhorar ainda mais a qualidade do nosso óleo nessa safra de 2022 e nas safras futuras”, enfatiza Maria Natali Correa, uma das representantes do Grupo de Mulheres do Limão do Curuá.
Observatório – O Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar (OMFCF) articula diversas organizações da sociedade civil, institutos de ensino, pesquisa e comunidades, com a missão de promover o manejo florestal como uma estratégia relevante, consistente e viável para a sustentabilidade da região amazônica. Nesse sentido, busca contribuir para a valorização e garantia dos direitos e dos modos de vida de agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais da Amazônia, além da construção de um modelo de desenvolvimento ambientalmente sustentável e socialmente justo para a região.
Texto: Brenda Taketa, assessora do IEB em Belém.
Cadeias do açaí e da madeira foram diagnosticadas em florestas comunitárias do Marajó
O Instituto Floresta Tropical (IFT) lançou no final do ano passado a versão digital do “Diagnóstico Marco Zero das Cadeias Produtivas de Açaí e Madeira das Reservas Estrativistas (RESEX) do Marajó”. O documento tem o objetivo de nortear as ações de desenvolvimento do projeto Florestas Comunitárias e monitorar os efeitos de suas ações nas Reservas Extrativistas Mapuá, Arióca Pruanã e Terra Grande Pracuúba, no arquipélago do Marajó.
Produzido pela equipe técnica do IFT, com financiamento do Fundo Amazônia, a publicação destaca o mapeamento das cadeias de produção madeireira e de açaí nas Unidades de Conservação atendidas pelo projeto. Além disso, o estudo também apresenta informações detalhadas sobre a economia, conservação ambiental e organização social dessas comunidades.
“Para que os processos de fortalecimento dessas cadeias de valor ocorram é necessário sabermos como esses produtos são produzidos pelas populações tradicionais, quanto elas produzem e para quem vendem essa produção”, afirma Ana Carolina Vieira, ex-coordenadora do projeto Florestas Comunitárias e organizadora do Diagnóstico Marco Zero.
No texto de apresentação do estudo, a organizadora destaca a importância de se conhecer os desafios enfrentados por essas comunidades e como as oportunidades existentes nesses territórios podem colaborar com a adesão de boas práticas de manejo, com uma relação comercial justa e equilibrada, capaz de valorizar a cultura e a produção tradicional.
Florestas Comunitárias – O Projeto Florestas Comunitárias apoia a implementação de modelos de manejo florestal comunitário para uso e comercialização de madeira e açaí. A iniciativa, que pretende fortalecer a organização social, gerar renda e contribuir para a redução do desmatamento em Unidades de Conservação, conta com o apoio financeiro do BNDES, por meio do Fundo Amazônia, e com a parceria institucional da Stihl.
Texto e imagem: Ascom IFT
Moradores da Resex Mapuá, no Pará, comercializam o primeiro lote de madeira legalizada da comunidade
O volume de 367 metros cúbicos de madeira em tora é referente à primeira Unidade de Produção Anual (UPA), iniciada em dezembro de 2020.
Foto: IFT
A exploração sustentável de madeira na Reserva Extrativista Mapuá, no município de Breves, região do Marajó, conquistou mais uma importante etapa. Em abril deste ano, os moradores da Resex finalizaram a venda do primeiro lote de madeira legalizada da comunidade. O volume explorado, de 367 m³ de madeira em tora, é referente à primeira Unidade de Produção Anual (UPA), iniciada em dezembro de 2020.
“O manejo florestal comunitário era um projeto antigo dos moradores daqui. Há muitos anos a gente aguardava por esse momento, pois, sabemos que ele pode significar um divisor de águas no desenvolvimento da nossa comunidade”, comemora o agroextrativista João Batista Brandão, do grupo de manejadores do rio Aramã, responsável pela exploração florestal da primeira UPA. Segundo ele, a exploração e a comercialização da segunda UPA deve ocorrer ainda em 2021.
A exploração madeireira na localidade atende as recomendações do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão responsável pela aprovação do Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) da Resex, em setembro de 2019. O Plano contempla uma área de aproximadamente 6.300 hectares, dividida em dois pólos comunitários: “Boa Esperança” e “Santíssima Trindade”.
De acordo com Marcelo Galdino, coordenador do programa Florestas Comunitárias, do IFT, a atual etapa do manejo sustentável de madeira na Resex é reflexo da organização comunitária e do PMFS, que começou a ser elaborado em 2018 a partir de uma oficina do IFT destinada ao grupo de manejadores locais. “Todo o processo de elaboração do plano de manejo contou com a participação da comunidade. Desde a primeira reunião até a finalização do plano, tudo foi feito de forma participativa, ouvindo os manejadores da Unidade, ICMBio e o conselho gestor da Resex”, destaca Galdino.
No Plano de Manejo Florestal Sustentável a comunidade se propõe a promover o uso tradicional dos recursos naturais de forma sustentável, condizentes ao modo de vida da população tradicional residente no interior da Resex.
Assessoria técnica do IFT
Antes de iniciar oficialmente o manejo florestal na comunidade, todos os manejadores passaram por cursos de treinamento e capacitação realizados pelo IFT. Entre os cursos ofertados estiveram Técnicas de planejamento e abertura de infraestrutura (TOI) e Técnicas especiais em derruba de árvores (TCS). “Todas essas capacitações, divididas em aulas práticas e teóricas, abordaram diversos conhecimentos destinados ao aumento da eficiência do manejo florestal, segurança e conforto no trabalho com uso de motosserras durante às diversas atividades com exploração de impacto reduzido e planejamento e abertura manual de estradas para facilitar o transporte da madeira”, afirma o técnico florestal João Adriano Lima.
O coordenador do programa Florestas Comunitárias ressalta ainda que o manejo madeireiro não se resume à retirada e venda da madeira. “O manejo comunitário é um conjunto de técnicas e metodologias que envolve as comunidades durante boa parte do ano. O IFT também realiza capacitações de exploração de impacto reduzido e orienta atividades prévias à extração madeireira, como o levantamento de estoque, classificação e cubagem de madeira”.
Florestas Comunitárias
Foto: IFT
O assessoramento do manejo sustentável na Resex Mapuá é uma iniciativa do projeto “Florestas Comunitárias”, que tem o objetivo de apoiar a implementação de modelos de manejo florestal comunitário para uso e comercialização de madeira e açaí na localidade. O projeto conta com o apoio financeiro do BNDES, por meio do Fundo Amazônia, e com as parcerias institucionais da Caterpillar, Keila Florestal e Stihl.
(Texto: IFT)
Organizações da sociedade civil em Porto de Moz (PA) lançam manifesto contra o programa “Adote um parque” do Governo Federal
O Comitê de Desenvolvimento Sustentável do Município de Porto de Moz, a Associação de Moradores da Reserva Extrativista Verde Para Sempre e o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais na Agricultura de Porto de Moz assinaram um manifesto, que também foi protocolado do Ministério Público Federal, reivindicando que a Reserva Extravista Verde Para Sempre seja retirada do programa “Adote um Parque” do Ministério do Meio Ambiente, instituído por meio do decreto nº 10.623/2021.
O manifesto lembra que o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) também pediu a exclusão de todas as reservas extrativistas. “As Reservas Extrativistas (Resex) são um tipo de unidade de conservação florestal que permite a exploração da natureza por comunidades locais, de forma controlada e sustentável, para permitir a proteção e regeneração natural da floresta”, diz o manifesto apontando que possibilidade de “doação” de áreas onde já estão implantadas as Resex desrespeita as comunidades que nelas habitam e esvazia o próprio sentido das reservas extrativistas.
Leia o manifesto na íntegra:
De origem ancestral, manejo florestal comunitário pode salvar a floresta de hoje
O Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), em parceria com o jornalista Rogério Almeida, produziu uma série especial de reportagens sobre o avanço do desmatamento na Amazônia, assunto que tem como paralelo a escalada de assassinatos de ambientalistas, e busca chamar atenção para a necessidade de políticas públicas no enfrentamento direto desses conflitos socioambientais, como a política do Manejo Florestal Comunitário do Pará, que, de forma morosa, está chegando a marca de uma década de articulação junto ao estado.
O IEB atua como secretaria executiva do Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar, rede que articula dezenas de instituições e entidades comunitárias ligadas ao uso sustentável dos recursos da floresta, na Amazônia. Frente aos índices alarmantes de destruição das florestas e dos povos que nela habitam, é um dos papeis desse Observatório comunicar à sociedade informações relevantes sobre o Manejo Florestal Comunitário, apresentado essa atividade como alternativa de enfrentamento ao desmatamento e grande aliado na busca pelo desenvolvimento sustentável da região amazônica, a partir do protagonismo dos povos e populações que nela habitam.
Confira a reportagem 3/3 da série:
Comunidade quilombola do Tiningu, em Santarém, vive do manejo de açaizais – Foto: Rogério Almeida
Sociedades complexas na Amazônia brasileira existem desde pelo menos 11.200 anos, como evidencia o registro considerado o mais antigo do campo da arqueologia, a Caverna da Pedra Pintada, na cidade de Monte Alegre, no oeste do Pará. Desde estes tempos imemoriais, tais sociedades praticam uma heterogeneidade de práticas de manejo dos recursos da floresta, madeireiro ou não.
A considerar a diversidade de grupos sociais que integram a região, e cada um marcado por suas especificidades, formas de organização política, econômica, cultural e social, como definir o manejo florestal comunitário?
Kenny-Jordan (1999) defende que o manejo florestal comunitário em sentido amplo engloba todas as atividades de manejo dos recursos florestais que têm como propósito fundamental melhorar as condições sociais, econômicas, emocionais e ambientais das comunidades rurais, a partir de sua própria realidade e de suas próprias perspectivas.
Enquanto De Camino (2002) define o manejo florestal comunitário como o manejo que está sob a responsabilidade de uma comunidade local ou um grupo social mais amplo, que estabelecem direitos e compromissos de longo prazo com a floresta. Os objetivos sociais, econômicos e ambientais integram uma paisagem ecológica e cultural e produzem diversidade de produtos tanto para consumo como para o mercado.
Por sua vez, Smith (2005) advoga que o manejo florestal comunitário é um processo social desenvolvido dentro de um contexto social que envolve um grupo de pessoas. O autor considera contexto social todos os aspectos da vida que relacionam o ser humano e seu meio ambiente natural.
O professor da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Ricardo Gama, doutor na temática, esclarece que o manejo ocorre em três etapas: onde temos pré-colheita (inventário dos produtos florestais, diagnóstico socioeconômico e plano de manejo florestal), colheita e retirada de forma planejada do produto da floresta e pós-colheita que é o acompanhamento da floresta por meio de sucessivas medições das árvores para se verificar quando poderá ocorrer uma nova colheita naquela área de manejo florestal.
A literatura sobre a diversidade dos grupos tradicionais na Amazônia alerta sobre elementos que dão forma a estes, tais como os laços familiares, de vizinhança, compadrio e de solidariedade em diversas atividades comunais. Seja na produção da roça, na caça, pesca, na coleta das riquezas da floresta, no manejo florestal, na edificação de estruturas coletivas das comunidades e em celebrações religiosas ou pagãs.
Antecedentes da Política de Manejo Florestal de Base Comunitária e Familiar
Oficialmente a caminhada pela construção do projeto iniciou em junho de 2012, sob a coordenação do Ideflor-Bio, em parceria com o Instituto de Educação do Brasil (IEB), e acompanhamento do Ministério Público do Estado (MPE). A presença do MPE se explica com vistas a atender às normas da Convenção de nº 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a qual o Brasil é signatário.
A Convenção nº 169 tem como baliza a participação e obrigatoriedade de consulta prévia junto às comunidades consideradas como tradicionais sobre qualquer projeto que possa interferir em seus modos de vida, crenças, instituições, valores espirituais e a própria terra que ocupam ou utilizam. Ela diz respeito aos direitos de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Nos últimos anos, por conta do avanço da fronteira do grande capital, a Convenção ganhou grande capilaridade no interior das comunidades como instrumento de defesa de seus territórios.
Para dar vazão à política estadual de manejo comunitário foi criado um grupo de trabalho. O GT promoveu em distintas regiões do estado seminários, oficinas e reuniões presenciais e virtuais, que possibilitaram a participação de órgãos governamentais das diferentes instâncias, não governamentais, sociedade civil, pesquisadores, extensionistas e o setor privado. Confira um vídeo sobre as comunidades.
A criação de um observatório sobre o tema com a participação de 25 instituições dentre organizações comunitárias, ONGs e instituições de ensino e pesquisa representa um dos desdobramentos dos processos de articulação em torno da política.
Processo tem sido lento para a efetivação da política
A primeira versão do texto da minuta da proposta da política data de 2013. O mesmo servirá de base para a criação do decreto estadual para a efetivação da política. O documento contém as principais demandas e propostas das comunidades que empreendem o manejo de base comunitária, como citado acima. No entanto, além de consultas prévias junto às comunidades, faz-se necessário a avaliação da Procuradoria do Estado e da Casa Civil.
Alison Castilho, analista socioambiental do IEB, alerta para a possibilidade de criação de sinergias no interior da esfera pública no sentido em potencializar a PEMFCF em diálogo com a recente criada lei que favorece iniciativas agroecológicas e da biodiversidade. “Aproximando as duas iniciativas na direção em otimizar recursos financeiros, humanos, estruturais e técnicos, noto como grande possibilidade em fortalecer a produção de base comunitária” sinaliza o pesquisador. Pode-se realçar que tanto uma quanto a outra favorecem os princípios instituídos nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) uma pauta mundial à qual o Brasil é signatário.
O conjunto de ODS representa uma agenda mundial adotada durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável. O Evento ocorrido em setembro de 2015, estipulou 17 objetivos e 169 metas a serem atingidos até 2030.
A Política Estadual da Agroecologia, Produção Orgânica e da Sociobiodiversidade (PEAPOS) foi aprovada ad referendum em outubro de 2019 em reunião do Conselho Estadual de Desenvolvimento Sustentável (CEDRS), após processo iniciado em 2017. Uma jornada considerada célere, se comparada com a caminhada do manejo florestal, que em 2022 soma uma década. No entanto, cumpre ao poder Executivo apresentar ao Legislativo do estado. Em resumo, ambas propostas estão engessadas.
Em linhas gerais, a PEAPOS almeja incentivar a produção agroecológica no estado, além de fortalecer o processamento e o consumo de produtos com ênfase nos mercados locais e regionais, bem como garantir a segurança alimentar e nutricional ampliando as condições de acesso aos alimentos saudáveis de qualidade nutricional. Em particular junto às populações tradicionais, indígenas, quilombolas e da agricultura familiar, segundo relatório estadual sobre a política. E, ainda, entre outras possibilidades, dialogar com o Programa Nacional de Alimentação Escolar-PNAE. Em comunidades rurais da Amazônia, uma queixa frequente é o envio por prefeituras de produtos industrializados. Muitas das vezes, com prazo de validade vencido e em quantidade insuficiente.
Soa que o governo Helder Barbalho intenta reverter a imagem negativa do estado por conta de liderar tantos indicadores sociais desconfortáveis. Neste movimento em tentar alcançar a opinião pública internacional, criou por meio de decreto, nº 941, em agosto de 2020, o Plano Estadual Amazônia Agora (PEAA), em alinhamento aos ODS.
O plano deseja a criação de instrumentos que possibilitem a redução das emissões por desmatamento, degradação florestal, que colabore com a conservação ambiental, e incentive o manejo sustentável das florestas. Entre as diretrizes do PEAA consta a atenção às vocações potencialidades e vulnerabilidades locais, onde se busca valorizar os elementos culturais, o conhecimento tradicional e as características sociais de cada região. Tal os parâmetros estipulados na lei sobre agroecologia, tem-se a possibilidade de criação de sinergias.
Pequena Linha do Tempo sobre o processo da PEMFCF
Foram realizadas várias oficinas durante o processo de discussão da PEMFCF / Fonte: site da PEMFCF
Relatórios organizados pelo IEB sobre o processo da construção a PEMFCF esclarecem que as oficinas para elaboração da proposta foram realizadas entre setembro de 2012 e maio de 2013 em seis regiões do estado: Xingu, Carajás, Marajó, Baixo Tocantins, Baixo Amazonas e Tapajós, onde contou com a participação de 488 pessoas dos mais diferentes segmentos, dentre as quais, pesquisadores, representantes do poder público e privado, com relevo para dirigentes de comunidades tradicionais.
Já entre os anos de 2015 e 2016 a articulação foi retomada com a realização de seminário estadual sobre os rumos para construção da PEMFCF em Portel e Santarém, além de oficinas de trabalho com vistas a fortalecer a iniciativa. O período foi marcado por certa acomodação do Estado, o que obrigou a intervenção do MPE junto ao Ideflor-Bio no sentido em retomar as ações. Nesta direção foram identificados os temas prioritários para consolidação de uma agenda mínima pactuada em 2017.
Ainda em 2017 duas chamadas públicas foram realizadas para viabilizar o fomento de até cinco projetos de Manejo Florestal Comunitário com valor estimado em até no máximo de 50 mil cada projeto, e outra para atualização do diagnóstico do Manejo Florestal Comunitário no Pará.
Por força de cobrança formal do MPE, o Ideflor-Bio retomou as ações da agenda da política em 2018 a partir de realizações de seminários. Soube-se que o tema não estava internalizado na instituição, e que havia três versões da minuta. No intuito em maior publicidade sobre a agenda da PEMFCF em junho de 2018 foi publicado o Edital de Convocação para Consulta Pública nº 001/2018, narram os relatórios institucionais do IEB.
Em 2019, a contragosto do manifesto apresentado pelos funcionários da autarquia, que desejavam um colega de carreira, o governador nomeou a pedagoga Karla Bengtson. A educadora é nora do ex-deputado federal e pastor da Igreja Quadrangular, Josué Bengtson. O líder religioso perdeu o mandato em 2018 por envolvimento na “máfia das ambulâncias”. O filho, Marcos, é ameaçado de articular a morte do lavrador do MST Valmeristo Soares. Valmeristo – conhecido como Caribé. Em 7 de setembro de 2010 Marcos chegou a ser preso por conta do crime ocorrido no dia 4 do mesmo mês em Santa Luzia do Pará. Em 2014 Karla pleiteou sem sucesso uma cadeira no Legislativo do estado. Na Câmara Federal, apesar da cassação do patriarcado, o filho, igualmente pastor, Paulo, foi eleito e integra a Comissão de Ética.
A marcha do processo para o reconhecimento da PEMFCF ocorreu durante a administração tucana do professor Simão Jatene. O partido hegemonizou o controle do estado do Pará por 16 anos, com um interstício de uma gestão do PT (2006-2010). Foi na gestão tucana do médico Almir Gabriel que ocorreu o Massacre de Eldorado de Carajás, em 1996. A eleição do filho do cacique Jader Barbalho, o ex-prefeito de Ananindeua por dois mandatos, Helder quebra um ciclo do PSBD.
Até o momento na gestão do Barbalho o processo para a efetivação da PEMFCF não teve nenhum movimento no interior do Ideflor-Bio. Apesar de insistentes contatos junto à assessoria de comunicação e do gabinete sobre as etapas que já foram vencidas para a criação da Lei, e quais estariam pendentes, não obtivemos nenhum retorno.
Populações Tradicionais
As comunidades tradicionais reproduzem seus saberes em terra firme, em ilhas e em várzeas / Foto: Rogério Almeida
A literatura acadêmica sobre o manejo florestal sistematizou práticas milenares das populações locais sobre as riquezas da floresta, como domesticar espécies, a extração de óleos vegetais, a seleção das madeiras mais adequada para a construção de embarcações, casas, a escolha da palha perfeita para a cobertura dos lares. E ainda, a ciência sobre as sanhas dos bichos peçonhentos e do ciclo mais adequado da lua para o cultivar e o pescar.
“Na Amazônia há uma infinidade de iniciativas produtivas protagonizadas por pescadores, agricultores, extrativistas, quilombolas e indígenas. Esses grupos reproduzem seus saberes em terra firme, em ilhas e em várzeas. Normalmente estão localizados em territórios definidos como unidades de conservação, terras indígenas, terras quilombolas e projetos de assentamento rural”, alerta o livro Formar Florestal: lições e aprendizados, organizado pelo IEB e Instituto Federal do Pará (IFPA), campus Castanhal, e lançado em 2015. O Formar é uma experiência de educação direcionada para dirigentes diretamente ligado com o manejo florestal.
A mesma obra adverte que os conhecimentos e saberes desenvolvidos na complexidade amazônica, pode garantir a sobrevivência dessas populações, sua segurança alimentar e a defesa dos territórios considerados tradicionais. Tais populações encontram-se organizados política, econômica, cultural e socialmente a partir de associações, cooperativas, grupos de mulheres, Escola Família Rural (EFA), Casa Familiar Rural (CFR), sindicatos e outras modalidades.
A exemplo das populações residentes na Floresta Nacional do Tapajós, no município de Santarém, oeste paraense, a partir da organização da Cooperativa Mista da Flona Nacional do Tapajós (Coomflona). A cooperativa é tida como um dos exemplos mais exitosos sobre manejo comunitário. Ela negocia em diferentes mercados produtos madeireiros e não madeireiros resultado do manejo florestal de base comunitária e familiar. A cooperativa agrupa mais de 200 associados.
Sobre a experiência da Coomflona, o professor Gama (Ufopa) defende tratar-se do maior exemplo brasileiro de manejo florestal comunitário. “Em sua área de manejo é de quase 83 mil hectares (15% da unidade de conservação), eles trabalham com madeira e produtos não madeireiros (semente de andiroba, óleo de copaíba, fruto de castanha-do-Pará e látex de seringa) gerou em 2019 uma receita bruta de R$ 4,27 milhões e após todos os pagamentos, inclusive dos manejadores, teve lucro de R$ 487 mil”, informa o pesquisador. O produto madeireiro da cooperativa tem a certificação internacional FSC, o que agrega valor ao produto.
A Cooperativa Mista da Flona Nacional do Tapajós (Coomflona) é tida como um dos exemplos mais exitosos sobre manejo comunitário / Foto: Ricardo Gama
Nesta direção em agregar valor, Leonardo Martin Sobral (Imaflora), nota em parcerias com grandes empresas uma possibilidade concreta em incrementar a renda das populações tradicionais, desde que empreendida uma negociação de salvaguarda de seus conhecimentos, a partir da mediação dos ministérios públicos estadual e federal.
Vale ainda realçar o protagonismo das mulheres em defesa da floresta e dos territórios considerados tradicionais, onde, entre tantas guerreiras possuem proeminência e reconhecimento internacionais a líder indígena Munduruku Alessandra Korap e a extrativista Maria Margarida Ribeiro da Silva, da Reserva Extrativista Verde para Sempre, do município de Porto de Moz, oeste do Pará, na confluência dos rios Xingu e Amazonas.
A Resex Verde para Sempre
A Resex Verde para Sempre
A Reserva Extrativista (Resex) Verde para Sempre é tida como uma das maiores do país em extensão territorial, e um dos casos emblemáticos de defesa territorial das populações consideradas como tradicionais no estado. Ela nasceu com 1.289.362,78 hectares, ocupada por 2.235 famílias. A multiplicar por cinco, média de pessoas por família, daria pouco mais de 11 mil pessoas. A modalidade é de responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Icmbio).
Formalmente a Resex nasceu em novembro de 2004. O território da reserva equivale a 74% do território do município de Porto de Moz, estimado em 1.742.301,70 hectares. E, poderia ter sido maior. A reinvindicação inicial ultrapassava a casa de 2 milhões de hectares, inclusa área da cidade vizinha de Prainha. Porto de Moz é irrigado pelos rios Amazonas e o Xingu, e tem população estimada em 40 mil habitantes, o que representa uma densidade demográfica de 1,95 por km².
A população da cidade é o dobro da média da maioria dos municípios do país. Pecuária, setor madeireiro e serviços dinamizam a economia da cidade do Baixo Amazonas paraense (oeste), e para efeito de planejamento estadual, integrante da Região de Integração do Xingu, que tem o município de Altamira como espécie de capital regional.
A cidade dista 416 km da capital Belém, em linha reta, e 959 de condução. A via fluvial é considerada a melhor opção de viagem, que dura uma média de 24h. Antes da primeira expedição de jesuítas comandada por Pedro Teixeira no começo do século XVII, os índios monturús eram os senhores do lugar.
Os primeiros debates pela criação da reserva datam dos anos de 1990, momento em que a agenda ambiental ocupava certa centralidade na pauta política do país, como desdobramento da Eco-92.
Conforme documentos do Icmbio, a Resex nasceu do embate das populações das comunidades contra grileiros, madeireiros, fazendeiros e geleiros (donos de barcos que realizam a pesca de arrastão). Neste sentido temos situações de conflito relacionados com a posse da terra, o uso da floresta e da pesca. Situações marcadas por ameaças, agressões, expropriação e assassinatos.
No histórico sobre a criação da Resex, o plano de manejo do sistematizado pelo Icmbio esclarece que a redução de estoque de madeira em cidades como Paragominas, Tailândia e vizinhança, notadamente em 1995, no sudeste do estado, bem como a intensificação da fiscalização contra e exploração ilegal de madeira, o trabalho análogo à escravidão em fazendas, madeireiras e carvoarias contribuíram para o deslocamento no setor para o oeste paraense. A região é considerada a derradeira reserva de estoque de madeira no Pará. Não à toa, ela abriga um mosaico de unidades de conservação calculado em número de 33.
Laureada por uma das principais comendas mundiais pela conservação ambiental do mundo (Wangari Maathai Florest Champions Award), em Bonn (Alemanha), em 2017, Margarida Ribeira Alves da Silva, moradora da Verde para Sempre, e uma das suas principais animadoras, defende que “é da floresta que geramos a nossa economia e o nosso alimento, a nossa cultura. É dela que tiramos a bacaba, o pequiá, o açaí, a castanha e tudo mais. É dela que tiramos a madeira para fazer o casco (barco), o material para fazer a vassoura, sabemos das sabenças das ervas para os nossos remédios”.
Ela acredita que a PEMFCF será fundamental para efetivar a reprodução econômica, política, social e cultural das populações dos territórios das comunidades tradicionais do estado, bem como a associação com as instituições do campo das ciências, e ONGs, a exemplo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o IEB, dentre outras.
Na mesma trilha converge a interpretação do doutor Ricardo Gama, que constata para além da geração da renda, tem-se o reconhecimento do conhecimento/saber tradicional. “Acredito que a partir do manejo florestal comunitário é possível assegurarmos alternativas para a conservação das florestas, bem como a manutenção dos povos, comunitários e agricultores familiares na floresta, com qualidade de vida e segurança alimentar.
No Pará, programa estadual de manejo florestal comunitário tenta barrar desmatamento
O Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), em parceria com o jornalista Rogério Almeida, produziu uma série especial de reportagens sobre o avanço do desmatamento na Amazônia, assunto que tem como paralelo a escalada de assassinatos de ambientalistas, e busca chamar atenção para a necessidade de políticas públicas no enfrentamento direto desses conflitos socioambientais, como a política do Manejo Florestal Comunitário do Pará, que, de forma morosa, está chegando a marca de uma década de articulação junto ao estado.
O IEB atua como secretaria executiva do Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar, rede que articula dezenas de instituições e entidades comunitárias ligadas ao uso sustentável dos recursos da floresta, na Amazônia. Frente aos índices alarmantes de destruição das florestas e dos povos que nela habitam, é um dos papeis desse Observatório comunicar à sociedade informações relevantes sobre o Manejo Florestal Comunitário, apresentado essa atividade como alternativa de enfrentamento ao desmatamento e grande aliado na busca pelo desenvolvimento sustentável da região amazônica, a partir do protagonismo dos povos e populações que nela habitam.
Confira a reportagem 2/3 da série:
Uma das muitas etapas de debate sobre o pleito para a efetivação da Política Estadual de Manejo Florestal Comunitário e Familiar – Fonte: site do Observatório do Manejo Florestal Comunitário
Cerca de 63% das florestas públicas do Pará encontram-se em territórios de comunidades tradicionais. A área equivale aproximadamente a 1,2 milhão de hectares, sob domínio de indígenas, extrativistas, remanescentes de quilombos, quebradeiras de coco babaçu, camponeses, e outras diversidades sociais.
É o que mostra a minuta da Política Estadual do Manejo Florestal Comunitário e Familiar (PEMFCF), documento lançado em defesa da criação de uma iniciativa em âmbito estadual para proteger este ambiente humano.
A iniciativa não é nova, desde os anos 1950, – quando as políticas desenvolvimentistas de Juscelino Kubitscheck incentivaram a indústria automobilística no país -, a Organização das Nações Unidas (ONU) preconizava a defesa de uma economia de base florestal comunitária como alternativa concreta ao desenvolvimento baseado no uso intensivo dos recursos naturais.
Já nos anos de 1980, com o assassinato do seringueiro Chico Mendes em dezembro de 1988, a iniciativa ganha grande inflexão em âmbito nacional e internacional, que vai culminar como um modelo alternativo de reforma agrária para a Amazônia, onde as reservas extrativistas emergem como um paradigma sugerido a partir dos moradores originários da floresta.
É neste contexto que os moradores da Amazônia cunham a categoria Povos Floresta, como representação política de defesa da floresta e de seus direitos territoriais tendo como base a diversidade social marcada por múltiplas identidades, onde temos indígenas, camponeses, extrativistas, remanescente de quilombos, quebradeiras de coco babaçu, onde a salvaguarda do território é essencial à reprodução da vida. Uma vida sem cercas ou constantes ameaças.
A reinvindicação manifesta-se fora do escopo do direito burguês, orientado pela lógica da propriedade privada, e, sim, a partir do direito consuetudinário, baseado nos costumes. A título de exemplo, nesta linha do direito, as quebradeiras de coco babaçu possuem o direito de coleta do coco, independente de quem seja o dono da terra. Como explica o antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida, em vasta produção sobre o tema, ao interpretar a lei do Babaçu Livre, institucionalizada no estado do Maranhão. O estado, apesar de fazer parte da região Nordeste do país, integra a Amazônia Legal.
Com relação à proposta da PEMFCF no âmbito do Pará, informações do site do Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade (Ideflor-Bio) esclarecem que a proposta da política emerge como um instrumento de regulamentação dos preceitos do artigo 3 da lei estadual 6.462, de 4 de julho de 2002, a qual estabelece a Política Estadual de Florestas no Pará.
Onde, nos incisos XVI e XVIII do artigo terceiro, a lei prevê que deve ser estimulada “a implantação de formas associativas na exploração florestal e no aproveitamento de recursos naturais da flora” e ordenadas “as atividades de manejo florestal, criando mecanismos de exploração autossustentada dos recursos florestais”. O Ideflor-Bio é a autarquia responsável na condução do processo da PEMFCF.
Neste sentido a proposta para a política propõe o fortalecimento das cadeias produtivas; a regularização fundiária e ambiental para o manejo florestal comunitário e familiar; o desenvolvimento científico e tecnológico que respeite os conhecimentos tradicionais; e a proteção das comunidades e famílias nas relações comerciais.
Área de Manejo da Coomflona/Santarém/PA / Foto: Ricardo Gama
Concentração de terras, monocultivos e agrotóxicos inviabilizam a política estadual
Maria de Nazaré Reis Ghirardi, integrante da Rede Bragantina de Economia Solidária, do Nordeste do estado, adverte que existem uns gargalos a serem enfrentados para que a política se torne viável. “Temos inúmeros problemas, a exemplo da regularização fundiária. Muitas das vezes as comunidades estão cercadas por fazendas e monocultivos, e são afetadas pelo uso do agrotóxico. A lógica da concentração da terra é diretamente ligada com o desmatamento. Isso afeta todo o entorno e as comunidades em particular” reflete Reis.
Exemplo do clássico sobre o ambiente delicado a que a ambientalista faz referência pode ser notado em várias regiões no Pará. Seja na dendeicultura no Nordeste do estado no entorno do município de Tomé-Açu ou no caso da expansão da soja no Baixo Amazonas, em particular nas cidades de Santarém, Mojuí dos Campos e Belterra. E, ainda no Sudeste, onde a mineração em grande escala da Vale representa o principal indutor de tensões entre indígenas, camponeses e quilombolas. Tensões que se espraiam até São Luís, por conta da duplicação da Estrada de Ferro de Carajás.
O doutor pela Universidade da Carolina do Norte e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Amazônia Oriental, Milton Kanashiro, que tem participado do processo de debate sobre a PEMFCF, manifesta-se frustrado com a demora na efetivação da política. “O decreto tornaria o processo mais ágil. Acredito que a última reunião com a Procuradoria do Estado ocorreu em dezembro de 2019”, desabafa o pesquisador. Entre as muitas atividades na Embrapa, Kanashiro exerceu a coordenação do Programa de Pesquisa do Comitê dos Sistemas de Produção Florestal e Agroflorestal
Ao contrário do servidor da Embrapa, o técnico da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), Wendell Andrade de Oliveira, defende a efetivação da PEMFCF a partir de um projeto de lei, posto assim garantir a continuidade da mesma, e não via decreto. “Na condição de servidor público, o mais interessante é o projeto de lei. Desta forma a lei blinda revogações por conta da alternância do poder”, acredita o coordenador da Diretoria de Planejamento Estratégico e Projetos Corporativos da Semas. Oliveira avalia que a política representa uma possibilidade na redução do desmatamento no estado. “O debate em torno da bioeconomia converge com os princípios defendidos na minuta do projeto da PEMFCF, o que nos coloca no campo de possibilidades”, argumenta.
Ele alerta para um gargalo com relação ao pacto federativo, pois boa parte do território do estado é tutelado pela União, medida tomada durante o estado de exceção em 1971, por meio do Decreto Lei 1.164, do governo de Médici, que federalizou boa parte do território da Amazônia. No caso do Pará, perto de 70%.
Com relação ao papel do Estado no assunto, o gerente de certificação florestal do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola), Leonardo Martin Sobral reflete que “o papel do Estado é fundamental seja como facilitador ou elaborador da política, seja na dinamização em agrupar os diferentes sujeitos interessados no tema, e, em viabilizar algo adequado para a realidade das pessoas que vivem na floresta, e que dependem do manejo para a sua sobrevivência”.
O pesquisador acredita que a política é fundamental para o ordenamento da atividade no estado, que tem boa parte de seu território definido como reservas extrativistas, territórios quilombolas, projetos de assentamento onde é possível o manejo florestal madeireiro e não madeireiro. “Estes territórios vivem sob constante ameaças de roubo de madeira, desmatamento e grilagem. Uma política estadual que ordene a atividade representa uma ação estratégica na redução do desmatamento e possibilita oportunidades de renda, formação profissional das populações, além de evitar ações criminosas de garimpos e outros setores”, ressalta Sobral.
Carta em defesa da política de manejo
Nesta direção em defesa da política de manejo, em carta manifesto direcionada aos candidatos ao governo do estado, datada de outubro de 2018, um conjunto de organizações da sociedade civil, com destaques para associações comunitárias e ONGs, elenca 15 premissas de orientação do PEMFCF, onde realçamos aqui os cinco primeiros:
1. Consolidar e implementar a Política do Manejo Florestal Comunitário e Familiar (MFCF) no estado do Pará, enquanto prática de manejo florestal sustentável realizada por povos e comunidades tradicionais e por agricultores familiares;
2. Garantia de respeito aos direitos dos povos e comunidade tradicionais, previstos na Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT;
3. Reconhecimento, proteção, respeito e fortalecimento da diversidade de sistemas, práticas, saberes e conhecimentos tradicionais de MFCF de cada povo, comunidade tradicional e família de agricultores, relacionados às práticas de agricultura, de gestão e conservação de suas florestas, tendo em vista a manutenção do equilíbrio ecológico e do bioma Amazônia;
4. Protagonismo e autonomia sociocultural econômica dos povos e comunidades tradicionais e de famílias agricultoras para execução das atividades de MFCF, assegurando suas participações na governança da PEMFCF, respeitadas suas instâncias de representação e as perspectivas de gênero e geracional;
5. Promoção de educação profissional inicial e continuada com conteúdos curriculares adequados e adaptados às realidades vividas pelas comunidades e famílias que praticam o MFCF.