Laços e trocas de experiência marcam o Seminário “Economias da Sociobiodiversidade”

Por Catarina Barbosa

O evento reuniu lideranças de diversos estados da Amazônia e debateu formas de fortalecer as cadeias produtivas, que contribuem para deixar a floresta em pé

Fortalecer o debate entre redes de empreendimentos comunitários das cadeias produtivas do açaí, castanha, madeira, pirarucu e jacaré. Esse foi um dos muitos objetivos do seminário “Economias da Sociobiodiversidade: A Construção Social do Mercado”, realizado em Belém do Pará pelo Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar (OMFCF).

O objetivo do evento, realizado em parceria com o projeto “Promoção de Cadeias e Gestão Territorial e Ambiental de áreas Protegidas”com execução do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) com apoio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento (USAID) é fortalecer esse modelo de desenvolvimento que é ambientalmente sustentável, socialmente justo e economicamente viável.

Tito Gonçalves Neves, membro da Cooperativa de Pescadores, Aquicultores, Agricultores e Extrativistas da Resex Cuniã (Coopcuniã), disse que o evento foi realizado em um momento muito importante para a comunidade: a retomada da principal cadeia produtiva da resex. Isso porque eles estão há quatro anos sem realizar o abate do jacaré.

“Não podemos negar que os maiores desafios da nossa comunidade são financeiros. Com essa pausa foi uma luta diária manter o sustento das famílias da comunidade. Sem dúvida, as nossas mentes se abriram com o aprendizado que tivemos no seminário”, afirma.

Além do Jacaré, a Coopcuniã trabalha o manejo florestal e comunitário da castanha e do açaí.

Vale pontuar que as ações desenvolvidas na comunidade seguem as regras definidas para uso que focam na sustentabilidade dos recursos. O manejo do jacaré, por exemplo, foi uma forma de lidar com a superpopulação dos répteis da região.

Já Alessandra de Souza Santos, também da Resex Cuniã, explica que o seminário a ajudou a entender mais sobre ferramentas de gestão. “O seminário foi maravilhoso. Cada troca de ideia, cada aprendizado que tive, cada experiência. Já estamos nos organizando para aplicar as técnicas que aprendemos para usar em nossa cooperativa”, afirma.

Participaram do evento, manejadores de Rondônia, do Pará, do Amazonas e Amapá, todos dialogando sobre as suas realidades e formas de fortalecimento das cadeias produtivas nas quais atuam.

Conhecimento técnico

“Muitas vezes as pessoas que estão à frente dos empreendimentos comunitários não têm conhecimentos técnicos. Na minha comunidade, eu aplico principalmente o que aprendi voltado para controle financeiro: análise de custos, controle de fluxo de caixa, balanço financeiro e precificação do produto”, diz Keivan Hamoud, do município de Beruri, no Amazonas, que participou do Seminário representando a Associação dos Produtores e Beneficiadores Agroextrativistas de Beruri (Assoab).

Keivan foi uma das pessoas capacitadas pelo Formar Gestão, Programa de Formação Continuada em Gestão de Empreendimentos Comunitários na Amazônia. No total, 40 pessoas aprenderam mais sobre como potencializar a produção das suas comunidades.

Como o seminário tinha como foco o diálogo e também o fortalecimento de estratégias de comercialização de produtos da sociobiodiversidade, a Formação Continuada em Gestão de Empreendimentos Comunitários na Amazônia é um desses eixos.

O projeto tem por objetivo promover uma formação continuada aos atores sociais envolvidos na gestão dos empreendimentos comunitários, fortalecendo as organizações por meio do aperfeiçoamento de seus sistemas de gestão nos campos da organização, produção e comercialização.

Para isso, o Formar Gestão busca, por meio de suas oficinas e atividades, qualificar e empoderar os atores sociais para as tomadas de decisão, a fim de capacitá-los para acessar e gerenciar recursos oriundos de projetos de financiamento e melhorar as relações econômicas na gestão dos empreendimentos, estimulando a adoção de boas práticas de manejo dos produtos e da organização comunitária.

O Formar Gestão foi uma das ações desenvolvidas pelo Projeto “Cadeias de Valor Sustentáveis e Gestão Territorial e Ambiental de Áreas Protegidas na Amazônia Brasileira”, fruto da parceria entre o Governo Brasileiro e a USAID.

“Tive a oportunidade de ter acesso a conhecimentos na área de gestão, controle financeiro, comercialização. Então, todo esse pacote de conhecimentos e metodologias foram oportunizados para as pessoas que participaram do curso e eles são muito importantes para que a gente coloque em prática no gerenciamento das nossas organizações de base comunitária”, afirma Keivan.

A Assoab, cooperativa da qual Keivan faz parte, atua há mais de 25 anos prestando assistência aos pequenos agricultores e pecuaristas do município de Beruri. Atualmente, destaca-se por administrar a maior indústria de beneficiamento de Castanha-do-Brasil do município, empregando direta e indiretamente 60 pessoas e gerando renda para cerca de 150 famílias de extrativistas nas comunidades produtoras de castanha.

Reconstruindo narrativas

Outro papel permanente do Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar, e que foi fortalecido com as discussões realizadas no seminário, é estimular na sociedade a importância das cadeias produtivas familiares.

Assim, o diálogo constante com a comunidade e a sociedade civil caminha no sentido de desconstruir certas narrativas: uma delas é a da marginalização de determinadas cadeias produtivas de manejo florestal comunitário como é o caso da madeira.

Segundo Alison Castilho, coordenador do Programa Territorialidades, Florestas e Comunidades do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) é preciso superar alguns preconceitos instalados em parte importante da sociedade em relação da importância das cadeias da sociobiodiversidade para a manutenção da floresta em pé, garantindo desenvolvimento econômico aliado à conservação da biodiversidade e o respeito aos modos de vidas das comunidades locais. “A madeira mesmo sofre bastante com essa falta de conhecimento técnico dos processos de exploração sustentável, o que leva a muitas pessoas e organizações de diversos campos a não considerarem o manejo madeireiro comunitário enquanto um estratégia eficaz para atuar contra o desmata mento ilegal”, afirma.

Outro ponto que comprova o papel desse tipo de cadeia produtiva é a conservação de determinados territórios comunitários. “Temos experiências de mais de 50 anos nos países das Américas, como México, Guatemala e Costa Rica, que comprovam que as unidades de conservação dedicadas ao uso sustentável, nas quais uma das cadeias produtivas é a da madeira, têm se mantido mais conservadas do que as unidades de conservação destinadas à preservação integral”, detalha.

A questão é que negar a importância da atividade não proíbe o desmatador ilegal de continuar suprimindo esse recurso natural. Assim, o observatório tem nas suas ações a defesa de que o Manejo Florestal Comunitário, aliado a estratégias eficazes de implementação de políticas públicas e fiscalização de atividades ilegais, é o principal caminho para a conservação da biodiversidade dos biomas brasileiros, em especial, da Amazônia.

Atuação colaborativa potencializa o Manejo Florestal Comunitário e Familiar da madeira

Por Catarina Barbosa

Entidades que integram o Observatório constatam que para a cadeia produtiva da madeira os melhores resultados são de cooperação e multidisciplinaridade a longo prazo.

Colaboração. Essa é a palavra que sintetiza os resultados positivos quando o tema é o manejo florestal comunitário e familiar da madeira. A experiência consta no trabalho: “Iniciativas de Produção de Madeira em Florestas Comunitárias na Amazônia Brasileira: Um esforço conjunto promissor envolvendo comunidades tradicionais e um engajamento colaborativo multi-institucional de longo prazo”.

O documento contém etapas de uma experiência de cooperação realizada na Resex Verde para Sempre, território que abrange quatro municípios do estado do Pará: Brasil Novo, Gurupá, Porto de Moz e Prainha. Na Resex, seis comunidades tradicionais organizadas em três cooperativas participaram do experimento: a Cooperativa de produtores Agroextrativistas do Médio Rio Jaurucu (COOMPAMJ); a Cooperativa Mista Floresta Sempre Agroextrativista (COOMAR); e o Comitê de Desenvolvimento Sustentável de Porto de Moz (CDS).

Já as Instituições que se articularam para o experimento integram o Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar (OMFCF), são elas: o Instituto Floresta Tropical (IFT); a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB).

“Os resultados apontam que para termos uma boa perspectiva do manejo florestal comunitário da madeira, a cooperação precisa ser interdisciplinar e podemos observar resultados de médio entre três a cinco anos e de longo prazo acima de cinco anos. Isso ocorre quando há uma abordagem coletiva e quando as comunidades têm acesso garantido aos recursos florestais e recebem uma assistência integrada e multidisciplinar”, afirma Maximilian Steinbrenner, pesquisador do projeto Bom Manejo da Embrapa e autor do painel.

O papel do Observatório

Maximilian Steinbrenner afirma que o OMFCF foi fundamental para a existência do experimento, porque permite o diálogo entre atores com o mesmo objetivo. “Se não houvesse uma plataforma que permitisse a troca de saberes, provavelmente não teríamos tido esses resultados”, afirma.

Para o trabalho, cada órgão participou com o seu projeto: o IEB com o Formar Gestãoo IFT com o Programa de Desenvolvimento do Manejo Florestal Comunitárioe a Embrapa com o programa Bom Manejo que, em específico, busca aperfeiçoar o manejo em escala comercial. “De início, você percebe que o Formar Gestão levou a um aumento da maturidade dos empreendimentos comunitários, o que leva a um aumento da competência e com ele consequentemente do impacto social”, pontua.

Segundo Steinbrenner, os resultados mostram que além do manejo ser viável técnica e ambientalmente, ele tem qualidade. “Podemos constatar além de todos os pontos já trazidos que ele é financeiramente viável. As comunidades têm custos de exploração e extração da madeira abaixo dos preços e ainda assim conseguem vender os produtos para territórios distantes das comunidades como é o caso de Belém, capital do Pará, e fazem isso, porque a gestão funciona”.

Apesar dos bons resultados, ao analisar o projeto de forma crítica, Steinbrenner afirma que a gestão ainda é o maior desafio a ser enfrentado. “Nitidamente, as comunidades tradicionais têm vocação, mas a gestão ainda precisa ser dominada e nesse ponto, o papel do IEB é fundamental, porque eles trabalham as habilidades de gestão e organização. Fato é: você não pode ir em uma comunidade fazer manejo florestal sem deixar a gestão de lado”, sintetiza.

Os desafios da falta de transparência do mercado de madeira

Diferente de commodities como a soja ou o milho, a madeira não tem transparência em seus valores, o que faz com que os preços oscilem muito para quem trabalha com essa cadeia produtiva.

“Se você abrir o jornal, não vai poder checar o preço da madeira. Isso faz com que um ator venda madeira em tora a um preço e outro venda dez vezes mais caro. Isso é problema complexo que as comunidades enfrentam, porque tem a ver com a estrutura do mercado de madeira na Amazônia, que infelizmente em boa parte é ilegal”.

Além desse desafio, o risco de perder acesso ao recurso florestal é outro ponto que merece atenção para que a atividade resista. “Não existe produção sustentável de madeira se você tira o status de unidade de conservação das Resex. Essa é uma questão política de forma que precisamos cobrar que os governos priorizem medidas e projetos que além de garantir o acesso à terra promovam a interdisciplinaridade com mínimo de 23 anos de projetos e a legalização de ações que garantem o acesso ao recurso florestal“.

As ações somadas à presença das entidades que compõem o Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar nos territórios favorecem bons negócios para as comunidades. “Temos casos de comunidades que fazem acordos desfavoráveis com empresas madeireiras e as empresas começam a fazer o manejo de tal forma que as comunidades ficam refém. Há casos, inclusive, em que as comunidades ficam devendo dinheiro para a empresa, quando chega a esse ponto, elas perdem a sua autonomia, o que faz com que a atividade deixe de ser sustentável.”

Assim, o pesquisador afirma que a ideia do experimento é contribuir para o fortalecimento do manejo florestal e comunitário. “São muitos os desafios, mas conseguimos provar que essas instituições atuando juntas às comunidades tornam as atividades madeireiras viáveis financeiramente e socialmente”.

Cursos de capacitação fortalecem o manejo florestal comunitário nas UCs do Marajó

Por Adison Ferreira (IFT)

A iniciativa tem o objetivo de apoiar a implementação de modelos de manejo florestal comunitário de madeira e açaí nos territórios atendidos pelo IFT

Presidente da Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Terra Grande Pracuúba (AMORETGRAP), no arquipélago do Marajó, Valdemir Mendes da Silva comemora os resultados dos cursos de capacitação promovidos pelo Instituto Floresta Tropical (IFT) na comunidade onde mora. Segundo ele, as capacitações destinadas aos extrativistas locais são fundamentais para fortalecer a prática do manejo florestal sustentável na Unidade de Conservação.

“Além do fortalecimento do manejo comunitário, outro ponto positivo dessas capacitações é o envolvimento da comunidade. E a nossa Resex é um exemplo do quanto a participação comunitária ajudou a melhorar e muito a prática do manejo de açaí, que é a principal fonte de renda do nosso território”, destaca Valdemir.

A capacitação de comunitários da Reserva Extrativista Terra Grande Pracuúba é uma iniciativa do projeto Florestas Comunitárias, promovido pelo IFT, através do Fundo Amazônia. Desde 2018, a iniciativa que também ocorre nas Resex Mapuá e Arióca Pruanã, pertencentes à região de integração do Marajó, tem o objetivo de apoiar a implementação de modelos de manejo florestal comunitário para uso e comercialização de madeira e açaí nessas localidades.

O IFT é uma das mais de vinte organizações que integram o Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar, do qual fazem parte também o IEB (Instituto Internacional de Educação do Brasil) todas focadas em fomentar ações ligadas ao manejo florestal e comunitário.

Capacitação

Antes de iniciar oficialmente o manejo florestal nas Resex atendidas pelo projeto, todos os manejadores passaram por cursos de treinamento e capacitação realizados pelo IFT. “Todas essas capacitações, divididas em aulas práticas e teóricas, abordaram diversos conhecimentos destinados ao aumento da eficiência do manejo florestal, segurança e conforto no trabalho como, por exemplo, o uso de motosserras durante às diversas atividades com exploração de impacto reduzido”, ressalta o técnico florestal João Adriano Lima.

Morador da Resex Arióca Pruanã, o agroextrativista Martinho Moraes afirma que os treinamentos ofertados pelo Instituto proporcionaram aos moradores da UC um olhar técnico mais aguçado sobre a prática do manejo comunitário.

Entre os diversos cursos oferecidos, ele destaca o de manutenção de motosserras, realizado em parceria com a STIHL. “Todos aqui já trabalhamos com motosserra há muito tempo, mas o manuseio do equipamento sempre foi feito somente na prática, com pouco conhecimento da parte mecânica. Nunca tivemos uma oportunidade como essa para entender melhor o funcionamento e a montagem da máquina. Por isso, esse treinamento é, sem dúvida, um divisor de águas na nossa forma de operar e cuidar do equipamento”.

Empoderamento comunitário

Segundo o coordenador de projeto Florestas Comunitárias, Marcelo Galdino, o processo de capacitação destinado às populações agroextrativistas do Marajó vai além do operacional. Afora da metodologia específica de cursos como Técnicas de planejamento e abertura de infraestrutura (TOI), Identificação de Árvores na Exploração Florestal (TI), Técnicas especiais em derruba de árvores (TCS), Manejo de açaizal nativo em ambiente de várzea, entre outros, a equipe técnica do IFT também aborda diversas orientações sobre saúde e segurança do trabalho durante as práticas de manejo florestal na comunidade.

Outros exemplos são as oficinas de cooperativismo e associativismo, promovidas pelo IFT em parceria com o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB). Galdino explica que as oficinas atendem aos anseios das lideranças locais das Resex e são fundamentais para a construção de conhecimentos sobre a viabilidade de empreendimentos florestais.

Oficina de Associativismo Resex Arióca Pruanã. Foto: IFT

“As atividades visam garantir que tanto as cooperativas como as associações sejam fundadas apenas se houver viabilidade administrativa e organizacional comunitária. A nossa finalidade é compartilhar conhecimentos, diminuir as dúvidas e, principalmente, empoderar e fortalecer essas comunidades”, destaca o coordenador.

Um dos diferenciais dessas oficinas é a utilização de metodologias participativas como rodas de conversas e dinâmicas reflexivas sobre o processo de associação e cooperação em comunidades tradicionais. “O objetivo da metodologia colaborativa é encorajar e incentivar a participação de toda a comunidade na construção e fortalecimento da organização social. A ideia é mostrar o quanto o associativismo e cooperativismo sãos instrumentos imprescindíveis para que uma comunidade passe a ter, de fato, maior expressão econômica e social”, explica Allison Castilho, um dos facilitadores das oficinas.

Treinamento e capacitação

Em 28 anos de atuação, o IFT já capacitou quase 8 mil pessoas. Esse número inclui estudantes de engenharia florestal, trabalhadores, empresários, agentes do governo e populações de comunidades agroextrativistas do Brasil e de diversos países como Guiana, Suriname, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Gana, Gabão, Gongo e Bolívia. Atualmente o programa de treinamento do instituto dispõe de 8 cursos, que são ofertados a partir de demandas dos solicitantes. Acompanhe no site www.ift.org.br  a lista completa dos cursos ofertados.

Catálogo de árvores nativas ajuda comunidades a fazer manejo florestal sustentável

Por Ana Laura Lima

O documento catalogou 56 espécies nativas arbóreas comerciais

“Conhecer bem a floresta é fundamental para as comunidades realizarem o manejo adequado”. Quem diz isso é Ademir Ruschel, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental (PA) e um dos autores da publicação, que catalogou 56 espécies nativas arbóreas comerciais.

A ação conduzida por pesquisadores da Embrapa, que integra o Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar, cujo objetivo principal é apoiar comunidades e técnicos que atuam no Manejo Florestal Comunitário na Amazônia. Assim, o livro apresenta árvores exploradas no plano de manejo conduzido pela comunidade do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Virola-Jatobá, localizado no município de Anapu, região da Transamazônica, no Pará.

O documento foi disponibilizado no formato impresso e, gratuitamente, on-line. Ademir Ruschel pontua que um dos grandes desafios do manejo comunitário é justamente a identificação correta de espécies, pois comumente um único nome popular acaba agrupando diferentes espécies com madeiras semelhantes, mas com características biofísicas e valor de mercado distintos, o que traz prejuízos ao negócio da comunidade.

Para os cientistas, a identificação botânica é a base da sustentabilidade do manejo florestal e de estratégias para a conservação das espécies florestais na região.

A importância do catálogo

Detalhes do talho, casca externa, tronco, base, flor, fruto e características da madeira, como cor, densidade, dureza, durabilidade e escala comercial, distribuição geográfica das espécies, risco de extinção e outras informações relevantes estão reunidas no documento que alia a experiência e o conhecimento das comunidades à ciência.

Assim, o catálogo traz o “jeitão das arvores”, como é conhecido pelos comunitários, e o que técnicos e cientistas chamam de características físicas para a correta identificação das espécies. “O identificador comunitário, ‘mateiro’, é um conhecedor da natureza. Ele conhece muito bem a identidade das espécies do jeito dele.

Mas no inventário da área realizado pela comunidade, ele acaba juntando grupos de espécies sob o mesmo nome. Isso confunde os órgãos fiscalizadores e tem rebatimentos no mercado”, relata Ademir Ruschel. Um exemplo comum encontrado pelos pesquisadores durante a elaboração do catálogo é o caso da maçaranduba, espécie de grande valor para a comunidade e para o mercado.

Três espécies da mesma família eram nominadas pelos identificadores locais como maçaranduba: maparajuba [Manilkara bidentata (A.DC.) A.Chev], maçarandubinha [Manilkara paraensis (Huber) Standl] e a própria marçaranbuda [Manilkara elata (Allemao ex Miq.) Monach]. “Isso acontece porque o ‘jeitão’ delas é muito parecido. Mas no mercado internacional elas têm valores diferentes. Então havia erros de identificação que prejudicavam lotes inteiros. E nosso objetivo foi trazer elementos para que a comunidade possa diferenciar essas espécies”, conta Ruschel.

A elaboração do material iniciou há cerca de cinco anos. Foram realizados treinamentos para identificação botânica na comunidade, registro fotográfico das partes de todas as espécies, identificações em campo a partir do inventário florestal das unidades de produção anual da comunidade e entrevistas com os identificadores comunitários, os “mateiros”. “Tivemos ainda a etapa de realização de uma extensa revisão bibliográfica para dar o respaldo necessário às informações trabalhadas no catálogo”, conta o engenheiro florestal Daniel Palma Perez Braga, consultor independente e um dos autores da publicação.

As árvores nativas presentes no catálogo foram selecionadas em razão do volume de madeira, abundância, valor de mercado e
uso tradicional pela comunidade. Cada uma das 56 espécies está organizada em ordem alfabética de acordo com o nome mais popular e traz o nome científico, família, utilidades, curiosidades, detalhes de identificação e a distribuição geográfica no Brasil.

Elas são classificadas também de acordo com três escalas: risco de extinção, potencial para extração de Produto Florestal Não Madeireiro (PFNM) e aceitação comercial.

O apoio da ciência às florestas

A publicação Árvores do manejo florestal no Projeto de Desenvolvimento Sustentável Virola-Jatobá, Anapu, PA é um dos resultados dos trabalhos realizados pela Embrapa no tema florestas e reunidos em seu Portfólio Florestal.

Nesse grupo, estão projetos que buscam soluções tecnológicas em três grandes vertentes: diversificação e aumento da produtividade e competitividade do setor de florestas plantadas; conservação e manejo sustentável de florestas naturais e restauração florestal.

Entre as ações do portfólio também está o apoio à formulação de políticas públicas e de legislação na área florestal e na participação e representação em diversos fóruns florestais nacionais e internacionais.

Segundo Milton Kanashiro, pesquisador da Embrapa e presidente do comitê gestor do portfólio, o catálogo é muito importante porque vai além do manejo florestal comunitário. “Ele contribui para a base da conservação das florestas manejadas, que é a identificação correta das espécies”, afirma.

Outro valor agregado que o gestor destaca é a prática da transdisciplinariedade na geração do conhecimento. “Para a Embrapa, como uma empresa pública, essas entregas representam um grande benefício ao proporcionar o uso, o manejo e a conservação das florestas tropicais, um bem comum a ser preservado para esta geração e para as futuras”, conclui.

Os autores do catálogo são: os engenheiros florestais Daniel Palma Perez Braga (consultor independente) e Rafael Costa Miléo (assessor técnico da Associação Virola-Jatobá); o engenheiro-agrônomo Edson Vidal (professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) e os pesquisadores Ademir Roberto Ruschel, Milton Kanashiro, Eniel David Cruz e Roberto Porro, da Embrapa Amazônia Oriental.

Confira a publicação aqui.

Organizações entregam a Lula carta em defesa do Manejo Florestal Comunitário e Familiar na Amazônia

Documento do Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar (OMFCF) pede políticas públicas voltadas à valorização e fiscalização da agenda socioambiental na Amazônia. O texto foi entregue à coordenação da campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta sexta-feira (2), durante visita do candidato do PT à Belém. 

A carta “(Re)pactuação da agenda para o manejo florestal comunitário familiar na Amazônia”, assinada pela coordenação executiva do OMFCF, solicita uma agenda emergencial para o primeiro semestre de 2023. Entre as pautas, sugere a reedição do decreto da Política Federal de Manejo Florestal Comunitário e Familiar; a reestruturação e fortalecimento dos organismos de comando e controle federais para a agenda socioambiental; e a aprovação mínima de 20% de todos os Planos de MFCF protocolados nos órgãos ambientais federais e estaduais.

Pede também a consolidação imediata dos instrumentos de gestão das Unidades de Conservação, como, por exemplo, a revisão do Plano de Manejo da Floresta Nacional do Tapajós; o lançamento de editais focados no manejo florestal comunitário; e a promoção de ações de fiscalização em áreas de ocorrência de desmatamento e exploração ilegal e conflitos envolvendo lideranças.

Segundo Alison Castilho, membro da secretaria executiva do Observatório, a formulação e implementação de políticas públicas para fortalecer povos e comunidades tradicionais é urgente, especialmente neste contexto de escalada de violência e desmatamento no bioma Amazônia. “O desmatamento e exploração ilegal têm gerado conflitos que colocam as lideranças do território em risco. Atribuímos esse cenário à estagnação dos programas de conservação ambiental e de promoção ao manejo florestal comunitário e familiar e à inexistência de uma política florestal clara, objetiva, inclusiva e de alta performance em sua governança”, afirma.

Representante da secretaria executiva do Observatório do MFCF, Alison Castilho entrega carta ao deputado federal e membro local da coordenação da campanha Lula, Airton Faleiro

Lula em Belém

Luiz Inácio “Lula” da Silva cumpriu uma agenda  de dois dias na capital paraense, com um evento aberto ao público em geral, outro voltado à cultura e o último aos povos da floresta e das águas.

Na última programação, realizada no dia 2, Lula fez acenos às mulheres, aos povos originários e à comunidade científica. “A Amazônia não precisa ser transformada no santuário da humanidade. Há 25 ou 28 milhões de pessoas que moram nela. Temos que investir em pesquisa e transformar parte da riqueza da biodiversidade para melhorar quem mora nela [na floresta]”, afirmou o ex-presidente.

Aos extrativistas, Lula falou sobre a possibilidade de ampliação de mercado. “Temos que dar mais crédito para os extrativistas, ajudar a criar mais mercado. A agricultura familiar que se prepare, 50% da produção tem que ser para a merenda. Queremos aumentar a capacidade produtiva e ter mais comida no mercado para a inflação não impedir o brasileiro de comer”, enfatizou Lula.

Sobre o observatório

O Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar (OMFCF) articula diversas organizações da sociedade civil, institutos de ensino, pesquisa e comunidades, com a missão de promover o manejo florestal como uma estratégia relevante, consistente e viável para a sustentabilidade da Amazônia.

Nesse sentido, busca contribuir para a valorização e a garantia dos direitos e dos modos de vida de agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais, além da construção de um modelo de desenvolvimento ambientalmente sustentável e socialmente justo para a região.

 

Clique aqui para conferir a íntegra da carta.

Nota de pesar – Johan Cornelis Zweede

O Observatório do Manejo Florestal Comunitário Familiar (OMFCF) lamenta o falecimento de Johan Cornelis Zweede, ocorrido no último domingo (21).

Engenheiro Florestal e Biólogo por formação, Johan fundou o Instituto Florestal Tropical (IFT), instituição referência no Manejo Florestal com Exploração de Impacto Reduzido (MF-EIR) na Amazônia e um dos membros da coordenação executiva do OMFCF na agenda de fortalecimento de povos e comunidades tradicionais.

Holandês radicado no Brasil desde 1966, Zweede é reconhecido como o pioneiro no desenvolvimento de técnicas e pesquisas na área de manejo florestal na Amazônia Brasileira.

Iniciou sua trajetória em Portel, no Marajó, onde atuou de forma tanto operacional como comercial. Acumulou grande conhecimento sobre as iniciativas de exploração existentes ao longo dos rios amazônicos.

Por meio de consultorias e atuação em rede, seu trabalho contribuiu para a implantação de modelos demonstrativos de manejo de baixo impacto em diferentes territórios amazônicos.

Nossas condolências aos familiares e amigos.


Com informações do IFT.

Seminário discute economia da sociobiodiversidade na Amazônia

Evento reuniu lideranças de comunidades do Amapá, Manaus, Rondônia e Pará 

Ampliação de laços e trocas de experiências marcaram o seminário “Economias da Sociobiodiversidade: A Construção Social do Mercado”, evento realizado no último dia 22, em Belém. Mulheres extrativistas, lideranças comunitárias e redes de organizações que atuam com o fortalecimento do Manejo Florestal de Uso Múltiplo na Amazônia dialogaram sobre estratégias de comercialização de produtos da sociobiodiversidade.

O evento foi realizado pelo Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar (OMFCF), em parceria com o projeto “Promoção de Cadeias e Gestão Territorial e Ambiental de áreas Protegidas”, executado pelo Instituto internacional de Educação do Brasil (IEB), com apoio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento (USAID).

“O nosso objetivo foi fortalecer o debate entre redes de empreendimentos comunitários que atuam junto a cadeias produtivas da sociobiodiversidade da Amazônia, em especial açaí, castanha, madeira e pirarucu. O Manejo Florestal Comunitário e Familiar praticado por povos e comunidades tradicionais mantém a floresta em pé e se apresenta como uma alternativa para a construção de um modelo de desenvolvimento ambientalmente sustentável, social e economicamente justo”, afirma Alison Castilho, representante da secretaria executiva do OMFCF e coordenador do Programa Territorialidades, Florestas e Comunidades do IEB.

O seminário marcou o encerramento do Formar Gestão, o Programa de Formação Continuada em Gestão de Empreendimentos Comunitários na Amazônia, iniciativa que integra o Projeto “Cadeias de Valor Sustentáveis e Gestão Territorial e Ambiental de Áreas Protegidas na Amazônia Brasileira”, fruto da parceria entre o Governo Brasileiro e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional – USAID. 

Iniciada em julho de 2021, a formação contou com cerca de 40 participantes, com vivências diversas nas cadeias de valor da castanha, do açaí, do pirarucu e do jacaré. O curso é coordenado pelo IEB, por meio do envolvimento de um Comitê Pedagógico formado pela Operação Amazônia Nativa, Fundação Vitória Amazônica, Pacto das Águas, Memorial Chico Mendes, Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, ICMBio, e Serviço Florestal dos Estados Unidos (USFS).

“Essa aproximação do OMFCF com as Organizações participantes do Formar Gestão se dá em um momento estratégico, pois a Rede do Observatório está neste momento discutindo estratégias sobre como acumular mais sobre as demandas do Manejo Florestal Comunitário e Familiar em outros estados da Amazônia, além de como mapear potenciais parceiros para uma ampliação dessa discussão nesses outros estados”, pontua Castilho.

Programação

O seminário foi composto por três mesas temáticas. A primeira abordou a gestão de empreendimentos comunitários na Amazônia, com a participação de Diomir Santos (ACJ), Tito Neves (Resex Cuniã), Karolina Matos (Coomap), Edilene Duarte (CDS), Micheli Marques (Resex Mapuá /Coama) e Jaqueline Sanches (Amazonbai), 

“O manejo de pirarucu, pra gente, é um símbolo de luta, de resistência e de relação com a preservação das nossas florestas indígenas. Pra gente o manejo é um grande feito e, em relação a outras atividades que a gente realiza, representa a nossa história e a nossa coletividade”, afirmou Diomir Santos, da Associação Comercial de Jutaí.

Desafios logísticos, formação de preço, acesso a canais de comercialização e conflitos nos territórios foram alguns pontos comuns nas falas das lideranças. O manejo florestal da madeira foi e continua sendo muito marginalizado, as pessoas acham que causa grande impacto e que é poluidor. Além de gerar renda, o manejo é estratégia de defesa do território”, afirmou Edilene Silva, da Reserva Extrativista Verde Para Sempre.

A segunda mesa abordou a relevância das cadeias da Sociobiodiversidade para a Economia da Amazônia, com a participação de representantes da The Nature Conservancy (TNC), Natura e Rede Bragantina, coletivo de organizações comunitárias que trabalha com princípios e práticas da agricultura familiar, agroecologia, produção orgânica e economia solidária.

Representante da TNC, Ellen Castro apresentou um estudo sobre a relevância econômica das cadeias da Sociobiodiversidade Amazônica, feito em parceria com pesquisadores Universidade Federal do Pará (UFPA); enquanto o coordenador de relacionamento e abastecimento da Natura, Carlos Talini, pontuou a lógica da atuação da empresa no estabelecimento de relações comerciais com organizações comunitárias fornecedoras de matérias primas.

A Rede Bragantina, representada por Nazaré Reis, compartilhou experiências de cooperativismo alternativo e de economia solidária praticadas pela rede. “Não se vê só os produtos, mas sim a floresta. Nós temos que fazer negócios a preços justos, precisamos dessas pessoas com vida”, pontuou no encerramento de sua fala.

A última mesa foi composta por Roberta Coelho, representante do Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar (OMFCF); Adriano Maleu, do Observatório da Castanha; José Ivanildo, do Conselho Nacional das Organizações Extrativistas (CNS); e Germano Paumari, do Coletivo do Pirarucu. A mesa dialogou sobre possibilidades de fortalecimento do trabalho em rede em prol das cadeias de valor na Amazônia Brasileira.

Exposição

Mulheres da Cozinha Coletiva do Beira Amazonas, do Amapá, expuseram o livro “Receitas da Culinária Agroextrativista”, obra que reúne dez receitas feitas a partir de frutos, óleos, sementes e outros derivados da floresta.

A cozinha coletiva é uma experiência solidária de inclusão produtiva sustentável de famílias agroextrativistas a partir do protagonismo feminino, fruto do trabalho desenvolvido em rede entre o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e as Associações da Escola Família Agroecológica do Macacoari (AEFAM) e de Moradores Agricultores Familiares da Comunidade de Rio Bacaba (Agrobacaba), com a parceria da Universidade Estadual do Amapá (UEAP), da Cooperativa Amazonbai e das organizações que integram o Programa Economias Comunitárias do Amapá.

Também foi realizada exposição e comercialização de artesanato feito por mulheres indígenas da etnia Warao, uma iniciativa que se insere no contexto do projeto “Povo das Águas: Trabalho, Participação e Meios de Vida”, realizado pelo IEB em parceria com o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), com o objetivo de promover a inserção socioprodutiva da população Warao nas cidades de Belém e Ananindeua.

A íntegra do seminário está disponível neste link, no YouTube do OMFCF.

Observatório do MFCF será representado em audiência no Senado sobre projeto de alteração do Código Florestal

Na manhã desta quarta-feira, 11, o secretário executivo do Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar (MFCF), Alison Castilho, participará da audiência pública realizada pelo Senado Federal para a discussão do Projeto de Lei 135/2020.

O projeto visa alterar a Lei do Código Florestal (nº 12.651/2012), para estabelecer que áreas de florestas nativas queimadas de forma ilegal sejam exclusivamente destinadas a atividades de reflorestamento.

Segundo a proposta, assinada pelo senador Jorge Kajuru (Podemos-GO), a restrição de uso das áreas queimadas de forma ilegal tem o objetivo de interromper “o ciclo perverso de uma economia que cresce à margem da lei”.

Ainda de acordo com o texto, a o impedir a realização de atividades como a pecuária e o plantio agrícola, a medida pretende inviabializar a realização de queimadas de florestas nativas para a posterior apropriação ilegal de terras por meio de grilagem.

O representante do Observatório do MFCF foi chamado a opinar na audiência a pedido do senador Jaques Wagner (PT – BA), atual presidente da Comissão de Meio Ambiente. Integrantes da Coalizão Ciência e Sociedade, do Observatório do Código Florestal e do MapBiomas também foram convidados ao debate, que será realizado de forma remota.

Segundo Alison Castilho, qualquer alteração ou novo projeto de lei que tenha desdobramento sobre florestas comunitárias, nas quais residem milhares de povos e comunidades tradicionais brasileiros, em especial da Amazônia, requer o processo de consulta livre, prévia e informada. “Esperamos que esse processo de escuta seja garantido aos povos e comunidades que vão sobre a incidências das novas normatizações”, ressaltou.

Imagem: Divulgação/Agência Senado

Primeiro boletim do Manejo Florestal Comunitário está disponível

O Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar (MFCF) acaba de publicar o seu primeiro boletim de notícias. Referente ao período de janeiro a março deste ano, o número #01 destaca como o manejo florestal comunitário é uma das alternativas mais sustentáveis para reverter os altos índices de desmatamento na região.

O primeiro boletim foi construído a partir da parceria entre assessorias de comunicação de organizações ligadas ao Observatório. Ele apresenta três notícias principais e mais duas dicas de leitura, assim como notas sobre a organização de mulheres nos estados do Pará e Amapá.

Em seu lançamento, a iniciativa buscou destacar a agenda do manejo comunitário no estado do Pará e contar sobre algumas práticas realizadas por povos e comunidades tradicionais da Amazônia, baseadas em formas inovadoras e diferenciadas de se relacionar com as florestas e os recursos ambientais.

Tema – Por que falar em desmatamento no primeiro boletim? O Instituto do Homem e do Meio Ambiente na Amazônia (Imazon), organização que calcula o avanço sobre as florestas a cada mês, publicou que, apenas em fevereiro deste ano, o Pará devastou 82 km² de suas florestas, o que representa um aumento superior a 20% em relação ao mesmo mês do ano passado.

Em um mês com menos de 30 dias, o estado também teve cinco das 10 unidades de conservação mais desmatadas em toda a região amazônica.

Diante desse cenário de crescente destruição, a criação da política estadual do manejo florestal comunitário pelo Governo do Pará poderia ser um esforço exemplar para a manutenção das florestas e a proteção dos povos e comunidades tradicionais. No entanto, mesmo após várias rodadas de discussões, o processo de formulação da política se arrasta há cerca de 10 anos.

O boletim traz, assim, um balanço sobre o que provocaria essa demora, a partir da escuta de algumas pessoas que vêm participando desse processo. A ideia foi entender como anda o processo de tramitação de uma proposta de texto para a política estadual, formulada por um grupo de instituições após anos de discussões, encontros e consultas em diferentes regiões do estado.

Práticas de manejo – Novas experiências comunitárias baseadas no manejo comunitário das florestas também são apresentadas na segunda matéria O texto aborda como duas comunidades de Breves chegaram às primeiras vendas de açaí certificado e de madeira legalizada no último ano.

Essas comunidades vivem dentro da Reserva Extrativista de Mapuá, no Marajó, e contaram com a parceria do Instituto Floresta Tropical (IEB) no processo de melhoria da produção e venda dos produtos da floresta.

Especial mulheres – A última matéria especial do boletim apresenta iniciativas lideradas por mulheres na Amazônia. A ideia foi buscar atividades ligadas a uma economia inovadora e baseada na floresta em pé.

O texto destaca duas cozinhas coletivas que reúnem mulheres de pelo menos sete comunidades dos estados do Pará e Amapá, possibilitando a transformação de produtos das florestas em alimentos nutritivos, livres de agrotóxicos e baseados no uso de novos ingredientes.

Acesse:

A versão completa do 1º Boletim do Observatório do Manejo Florestal Comunitário está disponível em pdf, na versão para telas de computadores: https://bit.ly/BoletimMFCFcompleto.

A versão para telas de smartphones está disponível em: https://bit.ly/BoletimMFCFsmartphone.

Ouça aqui também o spot de chamada para a leitura:  https://bit.ly/BoletimMFCFspot.

 

Lideradas por mulheres, cozinhas agroextrativistas são referência na transformação da biodiversidade

Em tempos de altas recorrentes do desmatamento, experiências lideradas por mulheres da Amazônia servem de referência para uma economia baseada na floresta em pé. Por meio de duas cozinhas coletivas, mulheres agroextrativistas de pelo menos sete comunidades dos estados do Pará e Amapá transformam produtos das florestas em alimentos nutritivos, livres de agrotóxicos e baseados na experimentação de novos ingredientes ou em conhecimentos herdados de suas mães, tias e avós.

De forma inovadora e exemplar, a Cozinha Agroextrativista Iaçá foi criada em 2018, em Portel, conhecido por fazer parte da lista dos municípios com maior área de floresta desmatada na Amazônia nos anos recentes.

Localizada na Ilha do Marajó, no Pará, mais especificamente na comunidade de Santo Ezequiel Moreno, às margens do Rio Acutipereira, a Cozinha foi idealizada por um grupo de 20 mulheres, que se organizou para produzir alimentos de qualidade e em quantidade suficiente para atender à demanda de escolas municipais.

A partir de parcerias feitas com uma ampla rede de organizações, a comunidade também é referência no desenvolvimento de projetos como a recuperação dos açaizais nativos, a implementação de sistemas agroflorestais e a constituição de um fundo solidário.

Com o desafio de abastecer seis escolas do recém-criado Projeto Estadual de Assentamento (PEAEX) Acutipereira, as mulheres da comunidade perceberam que seria necessário criar infraestrutura para beneficiar a produção, armazenar e o transportar os alimentos. A realização de feiras de ciências também as instigou sobre como reaproveitar as frutas produzidas localmente.

Foi assim que a cozinha foi concebida, com o apoio do Fundo Solidário Açaí, gerido pela própria comunidade, e do projeto “Mulheres Marajoaras”, realizado pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), em parceria com organizações locais.

“Desde a realização das Feiras de Ciências na comunidade, nós começamos a sonhar em ter uma cozinha para reaproveitar as frutas que nós temos a partir da produção de alimentos. A ideia era também fazer a merenda para entregar nas escolas vizinhas e para os nossos filhos”, conta Maria Luiza Gomes Lacerda, atual coordenadora da Cozinha Iaçá.

Após a instalação de equipamentos, a compra de utensílios e formações sobre diversos temas, a Cozinha se tornou também uma referência na produção de alimentos saudáveis, criativos e saborosos em todo o município. Além de abastecer as escolas, os produtos passaram a ser vendidos diretamente em feiras e outros espaços da cidade, assim como a partir de encomendas.

Um livro de receitas chegou a ser elaborado a partir da parceria da comunidade com o IEB, apresentando ao público pratos feitos com produtos obtidos em roças, matas, quintais e beiras de rio. Nele, são apresentados os passos para o preparo de bolos, biscoitos, coxinhas, pastéis e pães com frutos como o açaí, o tucumã, o cupuaçu e a manga, assim como ingredientes como a castanha-do-pará, a macaxeira e a farinha de tapioca.

Com a pandemia de COVID-19 e a decorrente suspensão das aulas presenciais no município, o contrato da Prefeitura de Portel foi suspenso. Nesse período, as mulheres da comunidade se reorganizaram para confeccionar cestos e paneiros utilizados pelos comerciantes de açaí.
Com o retorno das aulas presenciais, a expectativa é que os contratos, feitos a partir dos Programas Nacionais de Alimentação Escolar (PNAE) e de Aquisição de Alimentos (PAA), sejam retomados.

Recentemente, a Cozinha também entrou em processo de reforma, a fim de melhorar e aumentar a sua capacidade produtiva. De acordo com Maria Luiza, o sonho das mulheres da comunidade passou a ser o de agregar um refeitório ao espaço.

“O nosso sonho é um dia fazer a nossa cozinha maior com o refeitório em cima, para servir os clientes que vierem degustar das delícias feitas na Cozinha Iaçá”, revela.

Beira Amazonas – Três anos após a criação da Iaçá, um grupo de quase 40 mulheres, moradoras de seis comunidades do interior do estado do Amapá, inaugurou a Cozinha Coletiva do Beira Amazonas.

Habituadas ao extrativismo do açaí e de outros produtos da sociobiodiversidade, a cozinha foi planejada quando as mulheres dessas comunidades, localizadas entre os municípios de Macapá e Itaubal, organizaram-se para discutir a produção, as boas práticas e a comercialização desses produtos. O processo de mobilização havia iniciado em 2019, por meio da parceria entre o IEB e as Associações da Escola Família Macacoari (AEFAM) e de Moradores Agricultores Familiares da Comunidade de Rio Bacaba (Agrobacaba), entre outras organizações.

A construção da Cozinha Coletiva do Beira Amazonas se deu em um local considerado central para as comunidades envolvidas, com acesso que varia de 10 a 40 minutos de rabeta (um tipo de canoa motorizada). O espaço conta com outros equipamentos públicos em seu entorno, tais como uma escola e um centro de atividades.

O espaço possui infraestrutura adequada para o trabalho conjunto, com armários, balcões para a manipulação de alimentos, equipamento de refrigeração, fogão industrial e outros eletrodomésticos e utensílios. Um livro de receitas da comunidade se encontra em processo de elaboração por meio da parceria entre o grupo de mulheres do Beira Amazonas e o IEB.

“Nosso plano para a cozinha é crescer e nos tornarmos uma referência no mercado de serviços e refeições coletivas”, afirma Deurizete Cardoso, uma das coordenadoras do Grupo de Mulheres do Beira Amazonas.

“Quando a Cozinha Coletiva foi construída, mudou muita coisa porque, na verdade, as mulheres se tornaram empoderadas, saindo de seus lares para fazer os seus quitutes, vender a outras comunidades e até fora. Então acho que isso foi uma referência muito boa, trouxe novos horizontes para essas mulheres”, completa.

A analista Waldileia Rendeiro, do IEB, organização que tem apoiado a criação e o desenvolvimento das cozinhas agroextrativistas no Pará e Amapá, ressalta que o processo de organização das mulheres alcança dimensões que estão além do fator econômico.

“Ao idealizar a construção das Cozinhas como espaços coletivos para a produção adequada dos produtos, as mulheres têm discutido e elaborado estratégias de enfrentamento dos diferentes desafios para a sua inserção socioprodutiva, como aqueles relacionados às desigualdades de gênero nas cadeias produtivas”, explica. “Na prática, a organização das mulheres busca ou fortalece a autonomia feminina e outros processos mais abrangentes do desenvolvimento territorial, como a segurança alimentar e modelos de produção mais justos e sustentáveis”.

“As cozinhas acabam por se constituir assim em espaços de compartilhamento de saberes, afetividade, formação, trocas de experiências e têm possibilitado debater diferentes temas como saúde, agroecologia, gênero, violência e políticas públicas”, reforça a analista.

Para conhecer melhor a experiência da Cozinha Iaçá, em Santo Ezequiel Moreno, leia o capítulo 11, de autoria da pesquisadora Waldiléia Rendeiro, no livro Soberania alimentar: biodiversidade, cultura e relações de gênero. Para baixar o livro de receitas elaboradas pelas mulheres da comunidade, clique aqui.

Texto: Brenda Taketa | Imagens: Eraldo Paulino e Thales Miranda/Arquivo IEB

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